Crítica | MANSUR no Estúdio Wasabi


★★★★☆

A primeira vez que eu vi o Henrique — e eu falei que só ia falar dele se pudesse chamar de Henrique — foi num show dele em 2023, apresentando o primeiro álbum Último Ano Adolescente. Nunca tinha visto ele na vida, e decidi comparecer por razão de uma amiga que estava estreando como DJ e ia discotecar uma hora ou duas antes da apresentação de MANSUR. Também — e digo isso com uma vergonha cara-de-pau — nunca tinha escutado o som da voz dele, uma música sequer, quiçá sabia o rosto dele por um encontro ou outro em lugares lotados, acompanhado de amigos.

E é de dar pena de mim. Tanto porque nesse encontro coincidido em dia fatídico eu fiquei boquiaberto, chocado, extasiado, tamanha a presença de palco, a singularidade da voz, o cuidado de ser acompanhado de instrumentais ao vivo, quando outros artistas — bem menores tanto em estatura artística quanto em qualidade — jamais se dariam ao trabalho. E é isso que choca no contato com MANSUR, a delicadeza, o amor que ele tem pela própria arte e como o cuidado com o ambiente, a sonoridade, os gestos e as emoções refletem isso.

Por isso desde então tenho acompanhado os passos dele com entusiasmo, ansioso pela direção que vem com o futuro. E nesse último dia 7 foi a vez de uma introdução ao novo trabalho dele, uma prévia do segundo álbum por vir. Com filmadora de lente, banda e tudo. O Henrique tem um quê de cantar um cover de músicas que tem um lastro emocional na vida dele; no show que eu o conheci foi Começar de Novo do Gonzaguinha (que inclusive também tem um lastríssimo emocional na minha própria vida), dessa vez foi hora de Djavan — MANSUR dá uma emoção própria ao seu ser e a emoção que vive com essas canções, num vai-e-vem lindíssimo de se ver.

Outra coisa que me fez sorrir de orelha a orelha foi a participação do artwo num feat que vem ai (como dizem os gringos, “upcoming”; que chique!) e que é um grime — e fazia muito tempo que não ouvia um grime ao vivo, infelizmente, porque é uma das estéticas mais interessantes do hip hop europeu — e que destoa comicamente, e maravilhosamente, da própria levada de MANSUR, que tende mais à paciência e a um house-erika-de-casier-y2k-juventude; o próprio Henrique segue o bug do milênio quase como religião, ainda que dê mais de sua alma do que as placas mãe e processadores lentíssimos dos anos 2000.

Naquele primeiro show de 2023, a equipe (equipe! só falta a turnê do Acre ao Tocantins para cimentar o status popstar nacional) envolvida deixava uma câmera, ora virada ao público, ora ao próprio MANSUR, com o subtítulo “A SPECIAL DAY” impresso sobre as imagens. Era realmente um dia especial, como tendem a ser os shows do louro de óculos escuros. Dessa vez houve a falta da legenda, ainda que fosse tão “special day” quanto todas as outras vozes em outros dias, com outros covers e outras luzes. Acaba que a junção de Henrique com a bateria afiada do Garofallo e com a plateia meio apaixonada, meio embasbacada pelo momento e presença, sempre dá num dia especial; mesmo que subentendido no cerne de quem está envolvido.

É dar banana ao macaco, milho ao bode — é a paixão pelo próprio movimento artístico e por quem se enlaça por ele, e isso só pode acabar numa obviedade: é ótimo, é lindo, é entusiasmante de acompanhar, seja de longe ou perto, nos streams ou na voz e suor. Sigo na mesma daquele dia da estreia da minha amizade com o MANSUR e com a arte dele — é de se impressionar, e o resultado só pode ser impressionante, tamanha paixão e bem-querer, tamanha desenvoltura, tamanho cuidado. Dar milho ao bode sim, e nossa felicidade é ser alimentado sempre, se a nutrição vier com essa qualidade.

Pedro Piazza

22 anos. Ama todos os tipos de arte e em especial a música, que guarda um lugar essencial em sua vida, principalmente as mais barulhentas. Parte da curadoria de MPB e hip-hop no Aquele Tuim

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