Crítica | Festival Carambola 2024


★★★★★
5/5

Maceió, a cidade das águas. A capital alagoana é rica em belezas naturais, onde a vida se divide em uma linha tênue entre as responsabilidades comuns da vida adulta exaustiva e a leveza da brisa morna das praias de Jatiúca e Pajuçara. Apesar dessa beleza, Maceió é uma cidade onde praticamente não há incentivo à cultura, onde cadeiras gigantes e um slogan falso são mais preciosos que o tecer do filé e o artesanato tão rico em detalhes. Não é que não haja eventos musicais em Alagoas, mas esses eventos não incentivam muito a cultura, a nossa cultura. Por outro lado, a edição de 2024 do Festival da Carambola veio resgatar o que raramente nos é dado: cultura, diversão, inclusão e uma verdadeira catarse de excitação.

Para começar a falar da edição de 2024, precisamos primeiro fazer uma breve introdução ao festival. Sua primeira edição foi realizada em 2017 em uma pequena casa de shows, com a presença do artista visual Didi Magalhães e da produtora cultural Lili Buarque. O objetivo do Festival da Carambola é destacar a cultura popular alagoana e trazer visibilidade musical ao mapa de Maceió. Sua edição anterior teve 4.000 ingressos comprados, o que pode parecer pouco para os leitores do sudeste, mas para uma cidade sem incentivo à cultura, é de fato um evento marcante. A edição de 2024 do Festival da Carambola sem dúvida aumentou o nível de potência musical que Maceió pode trazer aos seus moradores. Atrações como Liniker, Hermeto Pascoal & Grupo e Cavalo de Pau enfeitaram os palcos Hermeto Pascoal e Mestra Irineia, onde firmaram definitivamente sua marca como o maior centro musical de inclusão e cultura alagoana do estado.


As vendas dos ingressos começou de forma singela, com seus preços variando entre R$ 80 a R$ 160 com ingressos de entradas inteiras, meia e meia-social (com 1kg de alimento não perecível), além da isenção para pessoas trans, travestis e não binárias, o que foi um dos grandes acertos do festival, já que em Maceió ainda existem obstáculos que impedem pessoas não cisgênero de alcançarem uma vida econômica estabelecida. Como mulher trans, foi muito prazeroso ver que um festival não ignorou nossas demandas, e que houve mais inclusão dentro de espaços pagos que normalmente são restritos a uma parcela pequena e elitizada da cidade.

Entrando no mundo do Festival Carambola, o evento recebeu visuais inspirados na vida e obra da artesã Mestre Dona Irinéia, um ícone da cultura alagoana e uma das mais populares artistas da cerâmica popular brasileira. Suas obras contam a história da luta e da força de sua comunidade quilombola Muquém e da cidade interiorana de União de Palmares. Obras como “O Beijo” foram referenciadas em todo o espaço do festival, que apresentava cores vibrantes que lembravam o verão com o marrom e o vermelho que são característicos das obras de Dona Irinéia. O mapa do festival contou com áreas de alimentação e locais onde havia água gratuita, além de lojas de artesanato de empresas alagoanas independentes, o que manteve o foco de incentivo aos artistas alagoanos de seus diversos nichos.


Ana Frango Elétrico

A primeira grande atração foi Ana Frango Elétrico com a turnê do eleito melhor disco de 2023 pelo aquele tuim, Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua. A performance foi estridente e a presença no palco foi inegável; até mesmo pessoas que nem conheciam Ana Frango Elétrico e suas músicas conseguiram cantar a plenos pulmões só pela energia trazida ao palco Hermeto Pascoal. Músicas como “Mulher Homem Bicho” e “Boy of Stranger Things” foram grandes destaques da noite, sendo esta uma das performances mais interessantes do festival.


Juliana Linhares

Juliana Linhares não é uma artista qualquer, mas sim uma força iminente da natureza de Natal. A artista chegou ao som de faixas de seu primeiro álbum solo de 2021, Nordeste Ficção, em que abordou o cômico e o teatral com sua voz estrondosa e seu sotaque marcante ecoando do palco da Mestra Irinéia para o público presente no evento. Suas músicas trazem o forró com toques estilizados, me senti assistindo a um álbum completamente imersivo, não dava para ouvir e ver nada além da voz, do corpo e dos instrumentais de Juliana e sua equipe. Além disso, teve a ilustre participação de Fernanda Guimarães, artista alagoana que apresentou um dueto de uma de suas músicas com Juliana.

Hermeto Pascoal

Dado o nome de um dos palcos do Festival Carambola, não é à toa que Hermeto Pascoal é uma referência da música alagoana. Seu show foi marcado por emoção e aplausos, além da riqueza instrumental que parecia se ajustar perfeitamente aos arranjos e a sinfonia de Hermeto, que fazia pequenos intervalos entre as apresentações. Vencedor do Grammy Latino de melhor álbum de jazz com Pra Você, Ilza, sem dúvida, ele criou um dos momentos mais marcantes do festival e consolidou todo o espaço ali existente como um meio garantido para grandes nomes da música nordestina, tanto nacional quanto internacional.

Bandalos Chinos

Falando em atrações internacionais, a banda argentina Bandalos Chinos fez seu primeiro show no Brasil no Festival Carambola. O show cativou tanto o público alagoano que eles tocaram faixas extras quando seu tempo havia acabado. Foi, sem dúvida, uma das melhores experiências, ainda mais dado o contexto interessante deles se apresentarem para um novo público, como se ali se criasse uma sinergia entre seus membros, o instrumento musical e nós, a plateia.

Cavalo de Pau

Cavalo de Pau foi um dos shows mais esperados pelo público, uma banda que toca forró antigo, trazendo grandes sucessos dos anos 90 até os dias atuais. Eles tocaram o show do começo ao fim sem nenhuma pausa. O que eu mais amei foi o quão bem preparados vocalmente Eliane Fernandes, Tayla Lima e Alex Santos estavam, que mesmo com a grande movimentação do público cantando junto com eles, seus vocais saíram claros e límpidos. O único obstáculo que consigo ver nesse show foi sua duração, que estava marcada para 23h30, mas devido a atrasos tiveram que adiar e, com isso, o show não teve o tempo equivalente como se esperava.


Liniker

Pra mim Liniker mudou a forma como eu me relaciono com a música e com a poesia. Então, conseguir sentir todos os sentimentos que ela também quis trazer e replicar tanto na minha vida como também levar para outras pessoas, para mim, é muito apaixonante, sabe? Eu acho a Liniker apaixonante, a música dela é apaixonante - Layla Guedes, estudante de ciência de dados.


O momento mais esperado da noite, Liniker não fez apenas uma mera apresentação da turnê de CAJU, mas sem dúvidas um dos shows mais emocionantes da carreira da artista e da minha vida. Foi exatamente ali que Liniker sentiu o peso da demanda, com milhares de pessoas cantando alto e claro todas as suas faixas, desde seu recente álbum solo CAJU até seus álbuns mais antigos como Remonta. O formato de festival não atrapalhou a experiência catártica e imersiva da turnê do disco, pelo contrário. Tal grandiosidade e completude artística pode ser observada no monólogo emocionante que a artista faz na faixa “VELUDO MARROM”, em que diz:

[...] Eu tô cansada de piscina rasa, tô cansada de coisa que não dá pra mergulhar.


Liniker é uma pop star completa, dança, canta com vocais inabaláveis e cirúrgicos, às vezes a reação era só apreciar sua voz suave e, logo depois, vê-la brilhar com os olhos ao interagir com o público alagoano. Ao final de seu show, a artista entregou um dos momentos mais divertidos da noite com a performance de “POTE DE OURO”, um dos grandes destaques de seu show. Foi ali que, aqueles que estavam com sono porque já eram 03h da manhã, não estavam mais, mas afinal, quem estava com sono ali? Liniker tem uma aura hipnotizante, era impossível tirar os olhos dela nem por um segundo. Ela, sem dúvidas, encerrou com chave de ouro a edição de 2024 do Festival da Carambola e seu primeiro show do álbum CAJU no nordeste.

O Festival Carambola de 2024 trouxe mais uma vez a energia que Maceió precisava para eventos culturais. Um lugar onde poucos grandes artistas vêm se apresentar agora ganha espaço não só em eventos da prefeitura, mas também para eventos independentes que valorizam a arte e a cultura popular de Alagoas. No geral, o evento traz uma boa lembrança para cada um de seus frequentadores: a experiência agradável de finalmente ter algo que une nossa cultura, a verdadeira cultura, com a música.

Lu Melo

Estudante de Jornalismo, 18 anos. Amante da música e da cultura pop desde a infância. Escreve para o Aquele Tuim, integrando a curadoria de R&B e Soul.

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