
4/5
Lá por 2018, ano de lançamento do terceiro álbum (e até então o mais aclamado) da carreira de Earl Sweatshirt, Some Rap Songs, a persona artística de Sweatshirt deu uma guinada além da alcunha padrão, em direção ao seu nome de batismo, Thebe Kgositsile; meio por uma reaproximação da própria raiz familiar, mediante o falecimento de seu pai no mesmo ano — e meio por uma negação do próprio apelido Earl Sweatshirt, fortemente associado à depressão que era base de seus trabalhos até então.
A importância dessa escolha reside nos atos, tanto na música quanto no comportamento do próprio Thebe, que vieram em seguida, desde 2018. Some Rap Songs começa e quase acaba numa linha tristérrima, de luto pelo pai e de impotência mediante o afastamento e ostracismo que Kgositsile sofreu nessa relação, ainda que a última faixa — um sample de um jazz escrito por um tio — deixe um tom de esperança com o desenrolar da vida a partir dali. Tudo isso culmina num casamento, num filho, na superação da depressão, e em Live Laugh Love.
É difícil analisar o álbum num contexto que não o da própria vida de Earl, e sem essas informações o corpo sonoro parece nada mais que umas skits e mini faixas coladas juntas e entregues ao público sem muita noção de direção ou propósito, o ar mais otimista é visível nos instrumentais e nas rimas de Sweatshirt, mas otimismo sem perspectiva de pouco serve, e talvez seja esse tanto o maior erro quanto o maior acerto de Live Laugh Love: é um relatório da própria vida de Thebe desde 2018, um convite a sua melhora e alegria, mas se existe uma falta de conexão do ouvinte, ou desconhecimento da história até então, Live Laugh Love dá a impressão de ser tumultuado, sem sentido, besta.
Mas, partindo do pressuposto que sabemos muito bem o que Earl vem transmitindo até agora, restam pouquíssimas dúvidas: Live Laugh Love é uma delícia, tanto pela alegria empática de ver ele feliz, quanto por todo o trabalho. Aqui Thebe surfa por pouquíssimos minutos em instrumentais que em esmagadora maioria são samples em loop constante e com nenhuma bateria de acompanhamento. Essa linha drumless vem desde o EP Solace, de 2015, que ironicamente é um trabalhos mais desoladores não só da carreira de Sweatshirt, mas do ínterim musical do século XXI. Essa inversão de significados é proposital, Earl usa dos artífices que enunciaram sua depressão como uma volta olímpica, hoje finalmente sorrindo, num aceno ao público que torcia por ele desde o início.
Em “TOURMALINE” ele progressivamente começa a balbuciar seus versos, num quase mumble rap num fundo que remete ao funk inicial sessentista (Earl inclusive chegou a comentar recentemente que odiar mumble rap em pleno 2025 só pode ser racismo). Em “Heavy Metal aka ejecto seato!” discursa sobre sonhar com um filho engatinhando pela casa, como o amor foi positivamente o corte mais profundo em sua vida, sobre as pessoas amadas terem ajudado nos momentos péssimos em anos anteriores; uma digressão daquele Earl, que sonhava, para esse atual, que é pai e esposo, e melhor, como um dia apostou.
As faixas curtinhas dão a sensação de que Thebe está quase dizendo “Viu, estou assim, feliz! Mas calma lá, que em breve vou dizer ainda mais sobre estar bem…” uma atualização aos dispostos a acompanhar sobre como o caminho foi tortuoso, de pedregulhos, mas acabou bem. Em “Live”, Sweatshirt enuncia “The family focused, my wingspan is the globe/ I'm glad to be home/ I had to get over, I had to get low/ I'm in the house, I keep a bag packed by the door”. Kgositsile finalmente pulou o muro, chutou o balde, deu — à linha de minha avó — “corda em si mesmo”. E enquanto aquele Earl de Some Rap Songs e Solace continua historicamente importante e sentimentalmente pertinente, esse aqui, de Live Laugh Love, dá bem mais gosto de ver, e acho que Thebe tem a mesma impressão de si.
Selo: Tan Cressida, Warner
Formato: LP
Gênero: Hip Hop / Rap