Eventos | Festival Carambola

Foto por Vitória Romeiro

Com shows de Saci, Marina Sena e Luedji Luna, o Festival Carambola reafirma Maceió como uma das principais cidades do nordeste no mapa de festivais do âmbito nacional

A nascente do rio Opará, conhecido como São Francisco – para os íntimos, Velho Chico –, começa em São Roque de Minas (MG) e, em meio ao balançar das águas calmas, no conhecer de diversas culturas e na migração de diversos estados do Brasil, sua longa jornada se encerra no oceano atlântico, na foz que interliga os estados de Alagoas e Sergipe.

Assim como o principal tema abordado do evento, a edição de 2025 do Festival Carambola viaja entre as águas do rio e reafirma o seu objetivo de colocar Maceió (AL) no mapa de festivais nacionais; em que, na sua grande maioria, ainda são alocados nas regiões sul e sudeste (principalmente Rio de Janeiro e São Paulo).

A escolha dos artistas que se apresentaram no palco principal do evento não foi à toa; todos os nomes dentro do line up fazem parte da trajetória onde o Velho Chico “passeia”, entre os estados de Pernambuco, Alagoas, Minas Gerais, Sergipe e Bahia. Cantores e rappers como Saci (AL), Marina Sena (MG), Grupo Sabuká (AL) & Heloá (SE), Luedji Luna (BA) e Fidellis (AL) foram os grandes destaques da noite mais dançante da cidade das águas.

Este ano, o Aquele Tuim foi convidado pela equipe do festival para presenciar a sua nona festa e vamos falar sobre os principais destaques do evento que abalou a primeira noite de novembro.



Foto por Vitória Romeiro

Clássico, bonito e letal: Saci reflete sobre racismo e violência policial no palco, e traz vivência da periferia alagoana para o festival

Antes de Saci surgir na fumaça vermelha, uma espada-de-Ogum foi colocada no centro do palco, diante do público. O que, para muitos, poderia parecer desconexo, enquanto uma pessoa recitava poemas e mensagens sobre ancestralidade, ganhou sentido pela música: o rapper explicou o que aquela planta representava: proteção, afastamento de energias negativas e purificação do ambiente.

Essa mensagem, transpassada em suas rimas firmes, não era suficiente para Saulo. Ainda assim, sua voz, agora carregada de letalidade, engrandecia cada pausa entre as músicas seguintes. Um exemplo disso foi sua manifestação de repúdio a operação da polícia nos complexos do Alemão e da Penha, ocorrido no Rio de Janeiro na última terça-feira (28): foi direto ao ponto ao afirmar que os alvos das armas têm local e cor e que, apesar de acontecer em outro estado, o mesmo se repete aqui, ainda que em proporções territoriais menores.

Não precisou de muito para que o artista entregasse um dos melhores shows da noite. Sua sagacidade e presença de palco preencheram as lacunas deixadas pela ausência de megalomanias, como pirotecnia, dançarinos ou efeitos grandiosos, comuns em festivais de grande porte. Em vez disso, Saci preferiu usar a oportunidade para evidenciar a realidade de uma parcela da população da capital alagoana, exibindo trechos de seus videoclipes.

Além disso, a grata participação de MB Sagaz e Brilux transformou aquele espaço, que inicialmente seria apenas de Saci, em um ambiente de crescimento coletivo para a cena alternativa do rap alagoano. Sem dúvidas, um grande acerto da curadoria desta nona edição.



Foto por Vitória Romeiro

Após três anos, Marina Sena retorna para a orla alagoana e transforma noite em carnaval com a turnê de Coisas Naturais

Logo na primeira faixa do terceiro disco da cantora mineira, um verso chama atenção ao ganhar vida fora do estúdio: “A sensação é de entrar no mar”. E, de fato, essa é a única frase capaz de traduzir o show Coisas Naturais em Maceió, que marcou o retorno da artista à capital após três anos longe dos palcos alagoanos.

Sua volta não poderia ter sido mais impactante. Em contraluz, diante de um fundo branco projetado no telão, Marina surge envolta em neblina. Diante do público, vemos quase uma entidade mística: sua movimentação corporal, sensual e hipnótica, é parte do enredo da turnê, e captura todos os olhares. Desta vez, a artista é como um farol no alto-mar, a luz no fim do túnel ou, para os mais místicos, um feitiço. Ali, sobre o palco, há apenas um espetáculo: ela.

O repertório foi recheado de hits: do álbum de estreia (De Primeira) ao mais recente, Marina contemplou todos os gostos, do pop à MPB. Destaques como “Voltei pra Mim”, clássico de superação que arrepia no eco do microfone, e “Mágico”, que levanta até quem está sentado para entrar na folia de um pré-carnaval, foram pontos altos.

No fim do show, a sensação era como estar na cama pós-praia, uma experiência diferente, tranquila e relaxante. Marina Sena não apenas realizou uma simples apresentação, mas mostrou que ainda tem muito a se mostrar e, acima de tudo, merece o reconhecimento que possui. Genial.




Com duas músicas inéditas, Bárbara Castelões bota brasa em show acompanhada de colaborações de longa data


Em agosto deste ano, Bárbara se apresentou nos dois shows do disco Segunda Navegação, de Chico Torres. Ali, diante de um público seleto, a cantora demonstrou não só sua potência vocal, mas também o amor intransferível pela música, expresso tanto no canto quanto na composição. No Carambola, não foi diferente. A alagoana foi ouvida de norte a sul do festival, com sua voz marcante e cheia de presença.

Além das faixas já lançadas, como “Retrato de Uma Garota em Chamas” e “Brasa”, Castelões também apresentou duas músicas inéditas ao público. “Pana-Pana” traz a essência clássica da cantora em sua discografia, com uma letra poética que não perde a modernidade. Já “Magma”, que havia sido performada no show de agosto, é mais sucinta, mas carrega uma grande carga emocional em seu entorno.

Para o Aquele Tuim, Bárbara contou que “Pana-Pana” e “Magma” surgiram após o lançamento do EP Eclíptica, e que a decisão de incluí-las na setlist do festival veio como uma forma de apresentar o futuro de sua discografia:

Eu quis também trazê-las duas pra dar um pouco do gosto do que a gente está pensando em fazer mais pra frente, sabe? Para os próximos trabalhos. Então são músicas que já trazem um pouco de uma sonoridade que a gente já está buscando para o futuro.


Em comemoração aos 20 anos de beleza Delicadeza, Wilma Araújo sobe ao palco do festival para cantar os sucessos do disco. A cantora destacou como o álbum ainda continua atual, mesmo se passando duas décadas desde o lançamento.

“É um álbum que tá novo, ele tá atual, ele é contemporâneo, entendeu? É um disco que tá cheio de novidades. A gente amou e inclusive escolheu as duas canções, a Bárbara que teve prazer de escolher as outras músicas para a gente colocar no evento”, falou a cantora.





Grupo Sabuká leva representatividade da aldeia Kariri-Xocó em apresentação no festival

Iniciando o evento, o grupo Sabuká, da aldeia Kariri-Xocó, trouxe representatividade, a força indígena na preservação do rio Opará e a herança dos povos originários de Alagoas. O canto coletivo encantou o público enquanto se apresentavam com a maracá, instrumento que simboliza o mundo e guia os integrantes sobre o que fazer durante as performances.

Participando junto ao grupo, a cantora sergipana Heloá cantou e destacou seus 20 anos de atuação na retomada indígena em Alagoas. “São 20 anos que se apresentamos Brasil a fora e faltava esse grande momento aqui em Maceió, em Alagoas. Afinal, é uma etnia alagoana que levanta a importância do rio Opará. Me sinto feliz em estar representando a força originária brasileira”, disse.

A apresentação foi repleta de emoção. O público se sensibilizou enquanto o grupo falava sobre o rio São Francisco. Ao final do show, os aplausos não foram apenas de admiração e aclamação, mas também de apoio às causas que o Festival Carambola defende e representa.



Foto por Vitória Romeiro

Luedji Luna esbanja paixão na turnê Um Mar Para Cada Um, Antes Que a Terra Acabe

Com os lançamentos de Um Mar Para Cada Um e Antes Que a Terra Acabe, Luedji embarcou em uma turnê sucinta, calma e extremamente romântica, em que não precisa de grandes elemenrtos para imergir todos os presentes em seu próprio mundo. Após a ótima catarse do set de Gigis Banks, a baiana veio como um grand finale para uma edição histórica do Festival Carambola.

Em meio aos casais agarradinhos na plateia, Luedji transmitia cada sentimento, letra por letra, nas músicas apresentadas no evento. “Salty”, ápice do jazz pop em Um Mar Para Cada Um, surgiu como uma onda sonora em que os instrumentos de sopro pareciam levitar os corpos daqueles que estavam na grade do palco. Já em “Karma”, o momento não era apenas de apreciar a voz da artista, mas também dos backing vocals, que conseguem transmitir magia ao ouvi-los.

Semelhante ao corte de seu vestido, seu show trouxe leveza, calmaria e um encerramento digno de filmagem cinematográfica. Ao som das ondas noturnas das praias de Jacarecica, a baiana não conteve a alegria por estar, pela primeira vez, no palco do Festival Carambola. “Eu sonhava em cantar nesse evento”, disse Luedji. E esse desejo foi sentido por todos que estavam não só na grade, mas também nos prédios ao redor da Arena Alagoas. Foi lindo acompanhar de perto.




Foto por Vitória Romeiro

Em meio a alegria do público, Fidellis apresenta um dos shows mais divertidos do Festival Carambola

A sanfona é a melhor amiga do homem, ou, pelo menos, a companheira mais fiel que Fidellis possui. A alegria e a honestidade do sanfoneiro eram apenas duas das grandes qualidades do show do alagoano. O que não havia mesmo era silêncio. Em meio a uma multidão que cantava todas as músicas da setlist, o chão estremecia enquanto o sorriso mais brilhante do cantor se refletia diante de cinco mil pessoas.

Teve momentos para todos os gostos, do forró ao coco, e Fidellis fez questão de chamar a plateia para cantar – literalmente – em cima do palco. Foi um momento inesquecível, daqueles que só um amante do forró e do arrasta-pé sabe proporcionar, em que uma hora se transformou em duas, tomada pela diversão do público que pedia bis.

A consolidação máxima de Fidellis veio no instante em que não eram apenas os pagantes que dançavam, mas também as equipes de outros artistas e do próprio festival, levantando poeira em um dos momentos mais divertidos do evento. Sem dúvidas, ele deve estar no line-up do ano seguinte, com a mesma alegria e animação que só o alagoano consegue trazer.

Lu Melo

Estudante de Jornalismo, 20 anos. Já fez parte do g1 Alagoas e Revista Alagoana. Atualmente escreve para o Aquele Tuim na curadoria de música brasileira.

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