Opinião | Qual o destino da música brasileira?


De novas formas de sucesso ao sufocamento das nossas vanguardas: chegamos ao ponto de entender o que é a música brasileira hoje e qual o seu destino.

Antes de tudo, "Qual o destino da música brasileira?" é, a princípio, uma provocação teleológica demais para a arte. O destino final em si não existe, mas não é difícil de se imaginar tendências e o futuro próximo, especialmente da atual música nacional. Portanto, a provocação é essa, não é para chegar a uma conclusão, mas para traçar um possível futuro e analisar como essas tendências estão sendo construídas agora.

O que é, até hoje, a música brasileira?


Pensar no passado da música brasileira, fora de movimentos específicos, (e não é sobre movimentos que eu quero falar aqui) é pensar em uma indústria, que existia até não muito tempo. Toda indústria denota uma forma de controle, pois obviamente existia a parte rica dessa indústria (as grandes gravadoras e os grandes produtores) e a independente.

Antes, era possível que mesmo nas grandes gravadoras, você pudesse ter músicos e músicas de vanguarda, apesar de sempre terem havidos os "malditos", essa tendência de "popzificação" extrema da música nacional é majoritariamente oitentista — especialmente no que tange a ascensão do "b-rock" (rock brasileiro).

Novas formas de sucesso


Hoje, com o advento da internet e os novos meios de comunicação e streaming, plataformas independentes…etc, já não é mais possível dizer que estamos à mercê da indústria fonográfica para lançar álbuns. Qualquer pessoa pode gravar e lançar seu trabalho de forma independente nas plataformas digitais. Contudo, não é nada absurdo imaginar que a divulgação, quando você tem um contrato com uma grande gravadora, até hoje seja melhor.

Mas não somente isso. Por causa das redes sociais, hoje, uma pessoa que tenha dinheiro o suficiente pode arriscar formas diversas de divulgação própria — muitas vezes não são sequer divulgadas as músicas, e sim uma caricatura, uma estética — e ainda sim ser muito bem sucedido. Porém, é fácil saber que essa divulgação pensa em um sucesso fonográfico — e um sucesso fonográfico é mais fácil do que se imagina se você tiver o recurso e souber o molde de uma música de sucesso.

As tendências hoje são outras


E isso não difere da "popzificação" da indústria (pós)oitentista — que buscava esse fenômeno por meio dessa estabilização de sons, exemplo: uma forma pré-estabelecida de mixagem, estrutura musical, produção e até criação de letras. Logicamente, as tendências hoje são outras, então não são as mesmas fórmulas, mas a lógica de estabelecer uma cartilha é idêntica, pois é a forma mais simples de garantir o sucesso. Hoje, isso pode ser alcançado por decisão própria dos artistas, algo infeliz para dizer o mínimo, e que muitas vezes é feito sem comprometimento, pois muitos deles sequer têm qualquer paixão pela composição ou interpretação. A fama é muito mais importante, e a cybercultura de hits e "charts" em plataformas digitais é um grande incentivo.

O maior malefício disso, em geral, é que essa estabilização e domesticação da estética musical, além de tornar toda nova criação em algo genérico, também faz nascer um culto em cima de uma forma de música que é considerada a "correta". Em que momento foi definido o que é uma boa mixagem, uma boa produção e uma boa letra? Nenhum momento específico, mas é justamente visto, à exaustão, nas mudanças desse fenômeno de popzificação.

O segundo grande problema é a elitização inerente da música que vêm em conjunto. Para mostrar esse segundo problema, eu gostaria de fazer uma provocação, ou melhor, uma afirmação: toda música de vanguarda é a música marginalizada e/ou dos marginalizados. Quando não, é adaptada de um gênero marginalizado.

Um exercício


Para visualizar isso não é difícil, visto que todas as ex-vanguardas foram assim, pelo menos até essas formas musicais serem elitizadas e domesticadas para que os ricos e a indústria fonográfica pudesse decidir o que valia a pena investir, pois, antes, essas vanguardas eram considerados a margem, o lixo. Interessante como esse fenômeno de certa forma persiste até os dias atuais. Há algum tempo, houve uma tentativa muito forte de domesticação do funk, com o "hit" de várias dessas canções, de meados de 2016 e 2017, sendo conhecidos pelas elites e, então, indo parar nas grandes mídias, para tocar em palcos pálidos e sem graça, como os do Faustão.

Contudo, tentar domesticar o funk é um tiro no pé, pois é provavelmente o gênero mais mutável e desterritorializante do Brasil hoje, completamente aberto para formas novas de abstração e experimentação. Mesmo assim, muitos só passaram a ver a importância desse gênero no próprio país depois que o incrível Pânico no Submundo, de DJ K, foi notado por uma revista de crítica estrangeira.

Ainda que não seja tão simples fazer isso com o funk propriamente, atualmente muito se tenta encaixá-lo num rótulo de "Música pop nacional" — que é mais fácil de definir como: a incorporação de ritmos brasileiros nesse estilo de produção massificado da atual "popzificação" anteriormente citada. E isso é sim um problema grave: a vanguarda brasileira, marginalizada, perde o peso próprio para se adequar às convenções estabelecidas por um fenômeno fonográfico internacional. Muito se vê como um elogio comum para álbuns nacionais recentes a frase: "parece até gringo", e por que isso é bom? A intenção deveria buscar nosso próprio ângulo, e é isso que vários artistas brasileiros ainda resistem em fazer.

Incorporar o estrangeiro pode, sim, mas o nosso país consegue muito mais que só a antropofogia simples, ainda dá pra transcender. E é justamente isso que os artistas independentes, os vanguardistas, que ainda persistem hoje no Brasil significam: a tentativa de levar as estéticas ainda mais longe, de transcender, por meio do resgate de ritmos marginalizados, religiões tradicionais, africanismos e a linguagem poética mais simples e mais refinada já vista no Brasil até hoje.


E a crítica musical brasileira?


Já para os críticos, resta o dever de mostrar as vanguardas, de criticar a indústria fonográfica, de não tratar o mainstream de artistas com contratos milionários como a salvação da música, mas falar mais sobre Juçara Marçal, Negro Leo, DJ K, Ana Frango Elétrico, os novos artistas do funk, do rap, da pós-mpb, do rock, do samba… de todo artista que estiver tentando resistir e se sustentar com sua própria visão musical.

Por fim, vale recordar a fala de um dos mais importantes, e um dos melhores, cineastas da história do Brasil. Apesar do trecho estar falando sobre o cinema, ainda serve como uma excelente reflexão para todas as formas de arte. Especialmente a nossa arte, a arte do terceiro mundo.

"Continuo realizando um cinema subdesenvolvido por condição e vocação, bárbaro e nosso, anticulturalista, buscando aquilo que o povo brasileiro espera de nós desde o tempo da chanchada: fazer do cinema brasileiro o pior do mundo!” — Rogério Sganzerla
Tiago Araujo

Graduando em História. Gosto de música, cinema, filosofia e tudo que está no meio. Sou editor da Aquele Tuim e faço parte das curadorias Experimental, Eletrônica, Funk e Jazz.

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