4/5
“And I want to preach the truth and everything” é uma frase linda, e fica na mente, hoje percebi que é quase um manifesto do disco. A faixa 5 do álbum abre com alguns licks de guitarra, algo de The Smiths, um jangle pop bem comum cuja letra é tão deprimente quanto se pode imaginar. Essa chama atenção também pelo final, um efeito de voz que faz tudo parecer Is this It. A reação inicial é lembrar que é um álbum de indie rock. As peças precisam se encaixar, o problema é que o lançamento e a forma não condizem com essa tentativa de encaixe. Ouvir uma, duas, três… vezes para assegurar que pelo menos algo vai sair daqui, alguma reflexão qualquer que seja.
Lembro de Jonas Mekas, citado por Annette Michelson: “Não é uma questão do filme ser bom ou mau artisticamente. É questão de... um novo entendimento da vida”. Está bem claro para mim que pode ser que Lucre seja um disco ruim, mas eu ainda gosto. Encarar a música desse mesmo jeito poderia ser uma saída. Mas em que ponto o indie rock do The Strokes, ou o jangle pop dos The Smiths, poderia dizer algo? Em que momento essas frases, aparentemente tão soltas e propositalmente deprimentes cantadas por Elias Rønnenfelt são mais do que apenas convenções?
Terceira música: em uma das milhares de audições, não incomoda esse timbre que parece tanto o Kurt Cobain? Ainda mais com o Julian Casablancas ressoando somente 2 faixas depois. A limitação pode ser do meu repertório; as cartas foram dadas, deve ter no mínimo algo que sirva para ver a vida de outro jeito. Mas o problema é grunge, ou o post-punk que tanto importou pro vocalista do Nirvana, tem alguma coisa que ainda dá pra fazer com isso? A faixa 4, por exemplo, poderia ser algo do New Order.
De alguma forma tudo isso se embaralha na intenção de escrever um texto, “não importa se a crítica é boa ou má. A questão é de um novo entendimento do álbum”, dessa vez eu quem cito errado as palavras de Mekas para dificultar meu “trabalho”, não tenho um pensamento novo sobre crítica, nem música e muito menos sobre esse EP do Dean Blunt. Pelo menos sobre o último a culpa não é minha, aparentemente, como dito anteriormente, as cartas estão dadas, talvez tenha uma coisinha pra tirar daqui, mas é tanta convenção que fica difícil achar.
Uma das poucas vezes que eu me emocionei ouvindo um disco foi com The Attitude Era, outro de Dean Blunt, meu favorito. “Sinn Fein é uma experiência única”. Boto para tocar novamente, “Musique concrète?”, “Colagem?”, “Noise?”... todas coisas que eu conheço, ainda que metade dos meus pensamentos para tentar enquadrar essa música provavelmente estão errados. Mas por que soa tão importante toda vez que eu ouço? Se não decifrei, pelo menos faz sentido, sempre acabar voltando pro mesmo lugar. E eu sei que nunca mais ouvi um álbum do mesmo jeito depois de The Attitude Era, depois de Sinn Fein.
Até hoje eu lembro de quando ouvi The Velvet Underground & Nico pela primeira vez — outro disco que me mudou tanto que eu nunca mais ouvi música nenhuma do mesmo jeito. Meu quarto estava vazio, não completamente, a cama e o guarda-roupa estavam lá, mas sem a escrivaninha branca que ele tinha e que ocupava a maior parte do quarto. Não lembro se esse era o motivo de estar tudo vazio, mas tinha um cheiro de tinta muito forte. Em algum momento eu cheguei a sair do quarto e continuar ouvindo. Mas aquele cheiro forte combinava com os agudos dissonantes, não sei se o que causava mais arrepios eram as intermináveis sequências de instrumentos, de uma forma que eu naquela idade nunca havia escutado igual, ou se a minha alergia havia atacado muito forte. Isso é algo que eu nunca terei a resposta.
A faixa mais longa de Lucre é a última, com 3 minutos de 28 segundos de duração. Essa eu acho difícil de enxergar em algum outro lugar, é bem própria do estilo Dean Blunt. Algumas guitarras distorcidas ao fundo me soam muito agradáveis, estão baixas, do jeito que eu gosto de guitarras distorcidas, do jeito que eu gosto de ouvir noise também. Eu sei que várias das minhas referências são referências que eu acredito que o Dean Blunt provavelmente gosta muito, que o Vegyn com certeza ouviu. Mas óbvio que o Sonic Youth, por exemplo, não deixaria essas distorções tão baixas, nem o Kurt Cobain, nem o Casablancas…
“Um novo entendimento” permanece na mente, mas é isso. Ouvir o álbum em looping foi como olhar as cartas que estavam na minha mão, fechar os olhos e desejar que elas mudassem. Mas toda vez que eu fechava, tinha um cheiro de lavanda na mente; a primeira vez que eu ouvi o EP eu tinha acabado de chegar do estágio, as minhas mãos cheiravam a lavanda, depois de passar longos minutos esfregando elas. Mexer com pó e com latas de filmes antigos deixam as mãos realmente imundas. Ainda não entendi porque esse cheiro se conecta tanto com aquela voz melosa de Elias Rønnenfelt e as meias-tentativas de post-punk que estão presentes no álbum todo, doces e um pouco cansativas — se fossem músicas mais longas, ou um cheiro mais forte, poderiam até ser bem enjoativas. Eu acredito que ouvi Lucre todos os dias no estágio desde aquele dia.
Depois de desistir de tirar qualquer coisa desse EP, me lembrei de “Is This It” dos Strokes, que eu ouço desde meus 12 anos de idade. Mas, de alguma forma, especialmente hoje, as palavras “Now, I’m staying there just for a while” combinam tanto com “Death is on it's way / How long I would stay here”.
Selo: World Music
Formato: EP
Gênero: Rock / Indie Rock