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Desde Melodrama (2017), você sabe mais ou menos como um disco de Lorde vai ser: suas músicas promocionais são ora um banho de água quente em dias dias frios (“Green Light”, “Solar Power” e “What Was That”), ora um banho de água quente em dias quentes (“Perfect Places”, “Stoned at the Nail Salon” e “Man of the Year”). Isto é: ao passo que ela entrega algo chamativo, essencialmente bom, ela também costuma lançar algo apático, sem graça. E por isso Virgin nada mais é do que uma culminação de tudo isso… um disco de Lorde.
Tem letras interessantes sobre diversos períodos e momentos de sua vida, aqui são nitidamente fragmentos narrativos advindos de instantes do que ela viveu nesses anos todos e, por isso, há uma necessidade mordaz de expô-los ao mundo com uma vontade até que caprichosa. E se há algo a se destacar, nesse sentido, é justamente os singles “What Was That” e “Hammer”. A primeira é um aceno bem-sucedido ao Melodrama, com ganchos que parecem vir diretamente deste que, apesar da enorme bajulação, está longe de ser o melhor trabalho da neozelandesa. É uma música que, de alguma forma, consegue se comunicar com essa reunião de tópicas que ela tenta trazer aqui, como se tivesse reavendo passado e presente para tirar algo novo disso, o que combina com o título do disco e o conceito de virgindade que temos impregnado nas nossas cabeças. A segunda, porém, busca uma força, uma distinção, que é sobretudo genuína.
O problema é que, no restante do álbum, e aqui estou falando de absolutamente todas as faixas, esse diálogo se limita aos conjuntos líricos criados num mesmo padrão, numa formalidade de exposição temática comum no pop – e que podem gerar uma baixa ou nenhuma identificação com ouvintes de longa data, e isso é completamente normal. Enquanto que o som, a composição de melodias e o uso dos elementos responsáveis por ditar o ritmo e o farfalhar dos instrumentos, são completamente planos, ocos, e fazem com que as músicas soem estranhas justamente por parecer que, nelas, Lorde tentou abraçou um "novo" que não existe, que não é novo. É difícil assumir isso porque temos na lembrança uma Lorde disruptiva, que chacoalhou a indústria da música com Pure Heroine (2013), então jamais imaginaríamos ela lançando uma música como “Favourite Daughter”, que parece algo que MØ teria feito em Forever Neverland. Isso, porém, não é um erro ou algo assim, pois eu canso de dizer vez ou outra em algum texto desse site que a música não surge do zero. Acontece que estamos falando de abordagem, e a abordagem de Lorde, assim como grande parte da música pop hegemônica hoje, é muito pobre. Não podemos negar…
Houveram até tentativas de alguns fãs em justificar essa questão de abordagem, em que chegaram a colocar Clarice Lispector como um facho de iluminação de inspirações neste álbum. O que piora ainda mais a situação, pois torna essas referências tão nebulosas, dispersas e diluídas que sequer fazem sentido de serem mencionadas, ora. Parece, na verdade, que virou moda esse tipo de coisa, pois a mescla dessas linguagens artísticas diferentes – embora haja sim um fundo de verdade quando feito com intenções maiores do que a mera exposição – sempre ocorre através de uma tentativa de tornar essas abordagens mais densas. Veja bem, tivemos ano passado uma cantora sendo declarada, por alguns veículos de música, bocós à la Rolling Stone, poeta por circundar a poesia, o termo, e não a poesia de verdade, da literatura, em seu álbum. Entendem o ponto que chegamos?
São artistas de música pop vendendo coisas “novas” sem serem novas, vendendo “poesia” sem serem poetas. E quer, eles, que acreditemos nisso tudo. É por isso que há, em retrospecto, uma Addison Rae da vida fazendo sucesso e sendo elogiada com razão, pois figuras que não tentam esconder que a música pop é vazia, superficial e distante de ganhar novos contornos e fugir desse espaço industrial e mecanizado, soam mais verdadeiros do que os que querem lançar um disco cheio de rabiscos e embrulhos narrativos de sempre e que nem mesmo os fãs – pelo menos os mais criteriosos – vão ter vontade de ouvir depois, como é o caso de Virgin… Mais um disco feito pela Lorde pós-Melodrama.
Selo: Republic
Formato: LP
Gênero: Pop