Entrevista | Jadsa, o big buraco e o minimalismo grandioso do big mundo

Foto por Liz Dórea

Cantora baiana falou com o Aquele Tuim sobre novo álbum, seu processo criativo, suas raízes no teatro e os rumos da música brasileira.

Cantora, compositora, produtora musical, guitarrista. Grande. Mas também pequena. Jadsa é uma das artistas mais empolgantes a surgirem na música brasileira recente. Não à toa, big buraco, seu disco recém-lançado em 29 de maio, entrou para a lista de melhores discos brasileiros de 2025 (até agora) do Aquele Tuim.

O minimalismo grandioso do novo trabalho chega quatro anos após o lançamento de Olho de Vidro, seu primeiro álbum solo. Também dá seguimento ao polido encantamento de Vera Cruz Island, do duo TAXIDERMIA, composto por Jadsa e João Milet Meirelles. Com uma aposta certeira no minimalismo e em estruturas mais familiares à música popular, big buraco estremeceu o cenário da música com todo o potencial da arte colaborativa.

Com produção da própria artista, o multi-instrumentista Antonio Neves e seu fiel parceiro João Meirelles, o álbum é uma rápida viagem pela imensidão de um mundo em colapso, mas que ainda é habitado por tudo aquilo pelo qual vale a pena viver. Cada faixa é um novo motivo para se apaixonar mais uma vez pela vida. Cada verso é um lembrete das coisas simples que fazem parte da essência do que é ser humano. Cada melodia é uma autoafirmação da imensidão contida de Jadsa.


big buraco

O álbum foi feito inteiramente em uma semana, sem muitas etapas de pré-produção. O processo criativo foi mais focado nas ideias que surgiram no estúdio, no Rio de Janeiro. “Teve muito trabalho de pós-produção, que é a parte que eu mais gosto. Tanto que tem coprodução de João Meireles em algumas faixas, porque não tem como, ele traz um brilho à música que é diferente”, disse sobre o membro do BaianaSystem.

A escolha pela criação mais rápida refletiu no minimalismo e espontaneidade de big buraco. Jadsa considera que o formato do disco tem uma maior capacidade de ser assimilado pelo público. “Eu acho que eu uso palavras até um pouco mais simples, referências mais simples do que costumo. Acho que ter essa leveza no arranjo, nas letras faz com que a música chegue mais fácil e para mais pessoas”, pontuou.

Apesar do maximalismo temático de big buraco, ainda há espaço para conforto e pequenez nos próprios títulos do álbum e das faixas. O uso de letras minúsculas nos nomes de cada parte do trabalho contrapõe a grandeza idealizada dos sentimentos explorados. “O nome já é muito pesado: big buraco. Se você entra nesse universo e for tudo gigantesco, eu acho que é muita informação e é muito peso para um disco só”, explica Jadsa.

A decisão foi uma bem-vinda quebra de expectativa para adicionar camadas mais densas à narrativa. “Quando você entra, você vê que é minúsculo, que é um espaço muito grande, mas tudo isso aqui dentro é muito pequeno. Eu acho que remete um pouco à nossa visão quanto a gente mesmo. De a gente estar pequeno dentro desse grandessíssimo espaço”, completa.

A força motriz de big buraco é o amor. Não só o amor romântico, mas também o amor pela vida, pela Bahia, pela mãe de Jadsa, Juçara. O amor pelas coisas simples. “Eu sou uma pessoa apaixonada. Eu acho que esse amor, o amor maior, amor de mãe, o amor romântico, dentro desse big buraco, chega para dar uma aliviada nas tensões”, conta.

Eu precisava ter alguma coisa dentro do disco que amenizasse um pouco toda essa velocidade que a gente está vivendo. Essas notícias todas que a gente está recebendo. Então eu sinto que o amor chega para dar uma sanada e dizer que ele também é alimento, é o básico para o ser humano. E que amar não é um pecado e é necessário.

O álbum também conta com algumas reimaginações de faixas anteriormente lançadas em Vera Cruz Island, do TAXIDERMIA. No novo projeto, “1000 sensations”, “tremedêra” e “no pain” ganharam novas roupagens que enfatizam o caráter vivo da música feita por Jadsa. Segundo a artista, ela optou por reutilizar as composições para transmitir novos sentimentos e possibilidades para as faixas, algo que considera ter facilidade para fazer.

Quando questionada sobre possíveis novas versões em futuros trabalhos, ela afirma que pretende continuar investindo na tática criativa. “Inclusive já tenho algumas músicas que, com certeza, vão aparecer no TAXIDERMIA e vão aparecer no próximo disco. E nada me impede de refazer também essas canções que eu fiz, nessas versões. Então também vou deixar esse universo destravado”, garantiu.

big mundo

A simplicidade cativante e a estrutura mais alinhada à música pop são uma novidade na discografia da cantora. Uma de suas características mais marcantes é a união quase simbiótica entre o natural e o artificial. As produções costumam apresentar uma instrumentação orgânica que também é acompanhada por elementos eletrônicos. Jadsa afirma que a mistura surgiu a partir das relações com os músicos com quem trabalhou nos últimos anos.

Eu sinto que é muito o que tá acontecendo, nesses anos 2020, na produção da música. Essa junção do orgânico e eletrônico. Eu acho que a gente tá tentando criar um novo movimento, só que ele é orgânico. Porque a sonoridade de hoje em dia, as produções de hoje em dia estão calhando de ser assim. Você escuta e tem uma bateria junto com um beatzinho ali.


Jadsa acredita que a tendência é um processo natural para a música contemporânea: “A gente escuta bastante hoje em dia um termo que Chico Science cantava, que é modernizar o passado. E eu sinto que é uma necessidade natural, é necessária para que a gente também não perca as nossas referências. A base de como começou. Como é que eu quero criar algo novo sem estudar o que já foi feito? Sem estudar o fundamento daquilo?”

As coisas estão muito rápidas. A internet está aí para fazer com que a gente funcione que nem máquina. E eu acredito que esse retorno ao passado ralenta o tempo. Deixa ele um pouco mais dilatado hoje em dia, do que a gente só estar nessa frequência mercadológica. Acho que essa referência ao passado faz com que a gente tenha um pé no chão.

Segundo Jadsa, o caos dos tempos modernos é uma grande inspiração para suas composições. “Toda e qualquer frase pode se transformar numa música”, defende. Ela conta que aderiu a uma rotina e frequência para escrever suas canções, de modo que se sente pressionada e inspirada pelos anseios mercadológicos. A necessidade de apresentar novas obras em um ritmo inquietante tem afetado seu processo criativo, mas também o alimentado.

big teatro

As raízes teatrais de Jadsa deram as caras ao longo de big buraco. A artista entrou no Teatro Vila Velha, em Salvador, em 2014. O teatro de resistência, inaugurado em 1964, é conhecido por suas montagens do dramaturgo William Shakespeare. Inicialmente, o plano de Jadsa era atuar na composição das trilhas sonoras, mas a cantora acabou se apaixonando pelos palcos. Para ela, o peso político e popular das peças alterou suas percepções artísticas.

“Minha relação com o teatro mudou minha vida completamente. Virou uma chave muito grande na minha cabeça, porque eu entrei para fazer música para teatro, trilhas, cantar… Eu não entrei para atuar. Eu entrei mais para poder me entender enquanto musicista, compositora e, não sei, sintetizadora de informações”, explicou. Ela garante que sempre buscará trazer seus conhecimentos teatrais para suas obras.

Em big buraco, a divisão em atos é uma parte fundamental da experiência de escuta. As faixas “big bang”, “big luv”, “big mama” e “big buraco” cortam o projeto em quatro momentos distintos, independentes entre si. Para Jadsa, o álbum começa pelo fim, e termina com um novo começo, em um movimento cíclico. Ela afirma que cada faixa funciona de forma única, sem precisar das outras para validar sua existência.

Ela conta que a divisão em atos foi uma homenagem às suas raízes teatrais e uma maneira de oferecer uma escuta livre ao público. “Eu queria que fosse um disco que não tivesse início nem fim. Apesar de que, nas plataformas, a gente tem que colocar a primeira música, a segunda, a terceira… Eu queria deixar aí para todo mundo escolher a sua ordem do disco”, esclareceu.

big disco

Quando perguntada sobre um projeto que avaliaria com a nota 5/5, Jadsa matutou por um tempo.

Jadsa: Ai, velho… Gente… Essas perguntas são muito difíceis [risos].

Tobia: Geralmente é a parte mais difícil da entrevista mesmo [risos].

Jadsa: Eu vou dar a nota 5/5 para um disco que não sai da minha cabeça, não sai do meu celular, não sai do meu Spotify, que é Flying Away, da banda Smoke City. É um disco que foi lançado em 1997. Na voz tem Nina Miranda, ela é de Brasília, mas mora em Londres há muito tempo. E, nesse disco, ela interpreta várias vozes e canta em várias línguas: francês, inglês, português. Ela faz versão de “Águas de Março”. E é um disco que vem orgânico e muito eletrônico.

big músicas

A cantora também revelou quais músicas tem ouvido repetidamente nos últimos tempos. A seleção surpreendeu com uma mistura heterogênea.

Jadsa: No meu Spotify, eu estou escutando muito uma artista chamada Liv.e. Muito legal. Ando escutando demais Curumin. Muito mesmo, o último disco dele [Pedra de Selva] está incrível, todo coladinho, a produção está muito bonita. Ando escutando muito Flora Purim. Tô viciada, na verdade. Carlinhos Brown com Alfagamabetizado, tô ouvindo demais. O último compacto de Gal, que foi gravado em 1972, mas foi lançado no início deste ano. Já começa com uma música de Gilberto Gil, chamada “A Morte”. Tô escutando demais. E é muita coisa. Eu escuto música o dia inteiro. Para você ter noção, até Planet Hemp tô escutando. Tô escutando muito. Gosto demais.

Tobia Ferreira

Emo de banho tomado e jornalista cultural. Formada em Jornalismo pela USP e repórter do Aquele Tuim, em que faz parte das curadorias de Funk e R&B e Soul.

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