Crítica | big buraco


★★★★☆
4/5

É interessante imaginar que a dita como ‘nova MPB’ é, hoje, uma classificação presa ao tempo, que já não surte o mesmo efeito de quando era usada lá pela metade da década passada. Desde então, houveram dezenas de artistas que surgiram e desapareceram neste cenário, a partir de uma diversidade de criação que desafiava a mera questão de estilo, que pensava na maneira como os artistas desse espaço cantavam, compunham e, sobretudo, em como interpretavam suas músicas acenando para a tradição da MPB. Se Jadsa, com seus mais de 10 anos de trajetória, tivesse lançado Olho de Vidro naquele período, certamente alimentaria muitas das comparações que se faziam na época, e o mesmo vale para big buraco, seu novo álbum.

Desta vez, porém, a artista baiana se apresenta de maneira ainda mais nítida como intérprete, mesmo estando envolvida em cada minúcia do processo criativo. É como se, em cada faixa, existisse um desejo deliberado de se posicionar como uma daquelas vocalistas clássicas da MPB, numa espécie de encenação séria que funciona brilhantemente. Nada aqui soa excessivamente preso às referências: ao contrário, Jadsa manipula os signos da canção popular dentro de um cenário da música alternativa contemporânea, fazendo idas e vindas entre gêneros com uma surpreendente acessibilidade pop e esculpindo, assim, uma brasilidade moderna muito própria.

Por isso, as músicas aqui soam livres o suficiente para transitar por acordes de rock, reggae (e psicodelia tropical de “your sunshine”) e até blues. Trata-se de uma abordagem criativa que prioriza o resultado final, sem se prender às estruturas pré-determinadas que normalmente surgem quando há a intenção de revisitar o passado. Acima de tudo, há Jadsa, que escreve versos fluidos, canções que não seguem uma narrativa linear; são fragmentos, palavras dispostas onde, supostamente, não deveriam estar. Em “1000 sensations”, por exemplo, ela enumera uma quase infinidade de termos em busca de pares em comum — um gesto que ecoa os caetanismos — e, quando finalmente os encontra, o impacto é quase estarrecedor. É uma forma muito particular de falar, nas entrelinhas, sobre amor e paixão. Nada soa parecido com isso. E, ao se distanciar da literalidade, Jadsa conquista liberdade para acenar a todas as MPBs que quiser. É brilhante.

Sobretudo, big buraco é rico na transcrição de possibilidades idiomáticas e nos apertos linguísticos, ao se debruçar sobre o português brasileiro em sua estrutura fonética única, assim como os clássicos da MPB sempre fizeram. “Eu tenho várias vozes dentro de mim. Como vou falar de Itamar Assumpção sem prestar atenção nas sílabas?”, diz Jadsa sobre um dos aspectos mais essenciais do disco, e assim ela faz. Canta com entonação silábica, rimando tons dispersos, usando palavras que encontram espaço entre sopros, melodias acústicas, beats de hip hop, som de cuíca e uma infinidade de ideias que enchem os ouvidos — e os olhos — com as imagens que ela cria. É um privilégio tê-la fazendo música. A nossa música.


Selo: RISCO
Formato: LP
Gênero: Música Brasileira
Matheus José

Graduando em Letras, 24 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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