Crítica | Garoto Pacífico


★★★★☆
4/5

Primeiro de tudo, é preciso pontuar que Garoto Pacífico é um disco que leva a composição do funk a sério. E, embora esteja inserido em um contexto que acena para diferentes vertentes – usemos aqui o termo guarda-chuva “mandelão” para abarcar o som que vai do ritmado ao bruxaria –, DJ RD DA DZ7 está longe de segui-las à risca, porque esse esforço em compor as melodias, os ritmos e todo o conjunto lírico advindo de MCs que representam o funk em seu estado puro, do uso vocal aos beats bem-posicionados, é feito através de uma curadoria que somente o DJ tem.

É um talento sem igual, pois vai além da ideia de somente juntar esses elementos todos apenas para criar faixas que, infelizmente, como é o caso da produção em massa recente de discos no funk, surgem prontas para perder o sentido. Por isso, RD DA DZ7 é mais do que um DJ e produtor: é um exímio compositor e o contexto atual do funk apenas prova isso. Note como aqui as músicas têm um trabalho de percussão diferente do álbum anterior, Playlist Rd da Dz7, já que são extremamente expansivas, contam com uma variedade ainda maior de recursos e referências, o que faz também ser mais acessível e mais dinâmico – remonta a incursão que muitos artistas de música eletrônica fazem quando vão lançar um disco que se torna mais próximo do pop, mas numa lógica do funk, ou seja, incomparável, pois há o apelo mainstream aqui mesmo sem ser.

“Isso Aqui É Magrão o Comedinha”, a melhor faixa de todas, brinca com o magrão – de reaproveitar uma estética que marcou meados de 2014 – com direito a canto árabe e tudo. É porém muito atual porque também não larga as suas raízes do ritmado, mandelão. Na faixa, passeamos por uma dezena, quiçá centena, de signos que compõem a evolução sonora do funk: há percussão, sirenes que implodem antes de virar tuim, caixas que remetem ao macumbinha, ruído, vocais distorcidos, gritos e por aí vai. É quase impossível de ser específico na descrição; é uma música feita para fazer o ouvinte se perder em sua composição e refletir o espaço da própria noção de música experimental do funk.

Outro destaque são as músicas em parceria com o DJ JEEH FDC, dono de uma das linguagens mais identificáveis de todas, e que também faz um trabalho diferenciado no contexto do ritmado. Eles juntos conseguem fazer algo que, novamente, não pode ser visto em canto algum. “Bixo na Xereca Vs Ritmação” quebra toda e qualquer estrutura de drop – explosão do refrão ou de algum beat mais penetrante ou agudo – pensada até então por outros DJs. A repetição seca e o som, aqui, mais simples, poderiam facilmente abrir margem para uma redundância, mas não o faz porque é instintivamente irreverente. O mesmo acontece com a sequência “Drift X Ritmação em Tokyo”, cuja percussão assume uma harmonização mais 3D, extremamente calma – remete muito ao funk de BH.

É um disco com alusões muito interessantes. Foge das experimentações de gênero mais fora da caixinha e, quando se arrisca, como em “Mlk Chique” e “Kick Acabou”, com elementos da eletrônica formal, deixa claro que RD é capaz de fazer tudo. São algumas das melhores faixas do ano, em parte por suas estruturas viciantes – o saxofone com house de “Mlk Chique” é resenha pura; divertido, mas sem deixar de ser sério. E talvez essa seja a chave de Garoto Pacífico: mesmo com uma produção profissional, o disco abre espaço o tempo todo para que RD DA DZ7 brinque com aquilo que sabe fazer de melhor. Isso reflete sua personalidade como DJ: aberto, consciente e humilde, apesar de já ter cacife para ser tratado com a grandeza que merece.

Selo: Som dos Fluxos
Formato: LP
Gênero: Funk / Funk Mandelão

Matheus José

Graduando em Letras, 24 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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