Crítica | Escama


★★★★☆
4/5

Escama, EP de estreia do produtor Iguana, desafia a já constante experimentação dentro do funk. É um trabalho que encontra sua razão de ser na insubordinação a padrões e estruturas, funcionando tanto como parte da vanguarda da música eletrônica experimental quanto do próprio funk. Aqui, a ideia de sons extremos e batidas implacáveis é levada a sério, sobretudo pelo uso de texturas líquidas e rangidas que, embora sigam o compasso tradicional do funk, transcendem os limites normativos do gênero.

É um diálogo constante com sonoridades que remetem a outras referências, sem nunca ceder a associações fáceis ou táteis demais. Em “AQUI”, por exemplo, o som parece caminhar rumo a algo que SOPHIE faria em PRODUCT, mas sempre sob uma perspectiva inclassificável. Da mesma forma, “AI (ft. Yvu)” se aproxima do universo do deconstructed club, mas o faz com uma assinatura muito específica de Iguana, apelando por batidas metálicas, espaçamentos amplos entre agudos e graves, profundidade, ambiência e uma força descomunal, extremamente agressiva, que parece aquecer os tímpanos com a efusão de calor gerada por esses elementos combinados.

Essa conexão com o funk se sustenta pela compatibilidade com algumas marcas do gênero, mas as interferências eletrônicas operam como catalisadoras de intensidade. Os fragmentos vocais, acapellas bastante populares no contexto do funk, são aqui distorcidos ao extremo, remodelados para acompanhar a atmosfera violenta e sombria do EP. Um exemplo disso é “TACA (Tool)”, cuja percussão se desenvolve de forma disforme, incrementada por elementos igualmente quebradiços, quase indescritíveis. É como se, de alguma forma, soubéssemos que daria para ouvir o ritmo imposto aqui em qualquer outro projeto de funk, especialmente do mandelão, mas para isso seria necessário retirar, camada por camada, os elementos empilhados por Iguana numa precisão surreal.

São batidas inesperadas que surgem e somem, rompendo expectativas, um tipo de tratamento estético que raramente foi explorado no funk como o conhecemos. E essa é sua grande virtude: o EP se expande em múltiplas direções mesmo permanecendo em um percurso plano, porém nunca seguro. Essa dualidade é acentuada pelo próprio tom enigmático que envolve Iguana, artista que não mostra o rosto e raramente se apresenta como figura visível. Seus visuais focam em partes do corpo, como se nos oferecessem uma intimidade performática, provocativa, sujeita à curiosidade. E é justamente essa impressão, entre o oculto e o desafiador, que se desenha ao longo de Escama, um disco que tensiona, esquiva e perturba, ao mesmo tempo em que expande, sem medo, as fronteiras do funk.

Compre: Bandcamp
Selo: Acta Recordings
Formato: EP
Gênero: Experimental / Eletrônica, Funk

Matheus José

Graduando em Letras, 24 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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