
3/5
Baiana legítima, Luedji Luna parece apostar em um som mais ‘global’ em Um Mar Pra Cada Um, e as implicações desse termo são evidentes ao longo do álbum, que se move entre nuances líricas e sonoras do jazz, refletindo especialmente sua atenção à música de raízes negras, e em como suas interpretações ganham vida própria. O confronto com a ‘música global’, ainda que este não seja um disco inteiramente definido por essa classificação, ocorre porque, embora a obra abrace com desenvoltura uma grandiosidade de signos supranacionais em seus alicerces jazzísticos, seus melhores momentos permanecem ancorados na tradição da música brasileira. Isso fica evidente, por exemplo, na presença simbólica de Luiz Melodia em “Jóia”.
Há, porém, um alívio no que se refere à autenticidade aqui, sobretudo na intenção de Luedji em amalgamar essas referências sob o prisma da pós-MPB, em uma chave até mesmo pop. Ela acerta ao seguir caminhos menos óbvios, diferente, por exemplo, de Liniker em CAJU, com sua busca pela recuperação de ícones do passado, ou Marina Sena em Coisas Naturais, que dissolve essas referências em prol de algo mais pessoal.
Um Mar Pra Cada Um, soa, nitidamente, como um testamento de identidade; ora pelas letras, que reverberam afeto e pertencimento, ora pelos arranjos, que evocam uma espécie de riqueza e delicadeza e uma pureza criativa que desperta curiosidade e desejo de escuta, pois por mais robusto que seja, e que faça com que fãs e apaixonados pela artista e suas características revisitem o tempo todo, o valor impresso na escuta é evidentemente testado, dado a nós como um presente, e que se concretiza facilmente quando comparado aos outros albuns anteriormente citados.
O disco, no entanto, resvala em um certo hibridismo frouxo ao tentar performar esse luxo, diverso, lembrando obras de artistas como Jon Batiste, que deram à noção de ‘música global’ um peso de generalizações que, às vezes, destoam do que está sendo proposto. Os instantes em que o jazz toma a frente, como na participação da saxofonista britânica Nubya Garcia em “Dentro Ali”, ou na inspiração confessa em A Love Supreme, de John Coltrane, soam desconectados do que Luedji tão bem apresentou em Um Corpo no Mundo, meu 51º disco brasileiro favorito da década de 2010, e que dispõe dessas mesmas bases no jazz e soul.
A impressão é de um disco que, ao tentar reafirmar o talento de sua autora e abarcar múltiplas referências, acaba excessivamente espalhado entre técnica e intenção criativa. Isso não significa, porém, que não haja grandes momentos, porque mesmo com sua tendência a domar excessos, este ainda é um trabalho genuíno.
Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Música Brasileira / Jazz, Soul