
★★★★☆
4/5
Não existe pecado maior do que ser uma criança LGBTQIA+. A todo instante, nos é negligenciado tudo: afeto, conhecimento, cultura e diversão, entre outras coisas. A ludicidade, em nossa perspectiva, recebe contornos variados; nos atentamos a gostar do que, para a grande maioria, passa longe de ser, em muitos casos, “coisa de criança”. Digo isso tudo porque o disco Disiniblud, estreia colaborativa auto-intitulada da guitarrista e produtora Rachika Nayar e da compositora e multi-instrumentista Nina Keith, nos leva a um campo da ludicidade na música que surge como um manifesto queer de muitos desses sentimentos que nos atravessam.
Não há, todavia, uma literalidade em torno desses temas. As duas artistas trabalham sob perspectivas que contemplam suas características individuais. E o cerne da obra – o estabelecimento de temáticas que orbitam uma suposta utopia queer – garante que o ouvinte, especialmente os da comunidade, encontre acolhimento no que aqui é exposto. Por isso, ainda que avance na construção sonora com momentos em que o experimentalismo soa pontudo e direto, há também a alocação de signos que acionam a memória, a nostalgia e tudo o mais que for preciso para nos capturar, tocar nossas emoções e tecer um paradeiro possível a partir de nossas próprias experiências individuais.
Sobretudo, é uma obra de diálogo. Um raro caso em que não há imposições de identificação ou representatividade para nos dizer o que somos, o que queremos, inclusive de forma coletiva. Tudo aqui é construído como um estágio pós-guerra: uma guerra da qual saímos vitoriosos, e agora precisamos daquele descanso, da pausa para esfriar antes da comemoração, da festa. “Give-upping” é o melhor exemplo disso. A faixa transmite toda a ideia do registro: vocais etéreos que se espalham sobre pequenas quebras eletrônicas, um instante rápido de leve cacofonia, batidas e melodias doces, erguidas por uma facilidade pop incandescente que antecede a explosão. Mas é, na verdade, um momento de beleza, de boas-vindas. E assim, entramos nesse disco-Estado que Rachika Nayar e Nina Keith conduzem como líderes escolhidas por nós, e perfeitamente encaixadas em seus cargos. Que sonho.
Selo: Smugglers Way
Formato: LP
Gênero: Experimental / Pop