Crítica | Spirit of New Africa


★★★★☆
4/5

Welcome to SONA é uma convocação e o início de uma imersão profunda na cultura, na história e na reconstrução da identidade africana. Spirit of New Africa, novo disco de Fuse ODG, é o terceiro e último capítulo de uma trilogia iniciada com T.I.N.A. (2014) e New Africa Nation (2019). É uma celebração rítmica e politizada da pluralidade do continente e de sua diáspora.

Com 12 faixas, o projeto mergulha em temas como orgulho africano, reconexão com as raízes e denúncia das narrativas coloniais ainda presentes. A abertura é arrebatadora com “Sundiata”, que tem participação de Suli Breaks, é puro afrobeat e enfatiza que não estamos trabalhando com um disco morno. Os primeiros versos — “There’s a silent war up in DRC / F*** your poverty porn and the thrills you seek…” — são diretos e desconfortáveis, como devem ser. Eles denunciam o exotismo e a romantização da miséria africana por olhares ocidentais. E não por acaso foi lançada no Dia da África (25 de maio), homenageando Sundiata Keita, fundador do Império Mali, que dá nome ao título.

O que se segue é um percurso sonoro rico, onde Fuse intercala afrobeat com highlife, dancehall, hip hop, amapiano e até toques de reggae. É um trabalho mais ousado e plural do que seus álbuns anteriores, que foram mais voltados para o afropop. Aqui, a proposta é mais ampla, usar a música como linguagem política e ferramenta educativa.

A faixa “December in GH” traz uma vibe mais nostálgica e hip hop — o tipo de som perfeito para embalar o retorno de quem volta ao Gana, misturando lembranças e orgulho de origem. Já “Cease Fire”, com Olivetheboy, se destaca não só pelo afrobeat bem marcado, mas pelo clima de reconciliação e introspecção que carrega. Existe um desarmamento nela, sem perder a firmeza da mensagem.

Entre as faixas, uma se destaca como um verdadeiro manifesto: “54 Countries”. A frase “Said she wanna go Africa / I said that’s 54 countries” resume com humor e precisão uma das principais pautas do disco: desmistificar a ideia de África como um bloco único e homogêneo. Aqui, a música vira aula de geopolítica e dança.

Na reta final do disco, “Steel and Stones” chega com potência, uma percussão crua, elementos acústicos, e a presença forte de Monique Lawz — uma mistura que remete à ideia de solidez e resistência. E quando “Buss a Shot” fecha o álbum, o que se ouve é um clímax instrumental cheio de camadas, intensidade e africanidade, como um último disparo para o alto — como sugere seu título.

Spirit of New Africa faz parte do conceito do aplicativo SONA, plataforma criada por Fuse ODG com conteúdos educativos sobre história africana, autoestima negra, tradições e líderes como o próprio Sundiata Keita. O aplicativo — lançado em paralelo ao álbum — busca reconectar jovens da diáspora com sua herança por meio de módulos interativos. E as faixas do disco funcionam como chaves de acesso para esse universo: “Sundiata” ensina sobre liderança; “54 Countries” abre o olhar sobre a pluralidade africana; “Cease Fire” estimula valores comunitários.

Concebido como uma ferramenta de empoderamento, esse disco é música feita para dançar, pensar e ensinar. É sobre repensar o que se sabe sobre a África de forma estruturada e imponente.

Selo: Off Da Ground
Formato: LP
Gênero: Música do Continente Africano / Afrobeat

Viviane Costa

Graduanda em Jornalismo, apaixonada por Música, Arte e Cultura. Integra a curadoria de Rap e Hip Hop do Aquele Tuim.

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