Crítica | M.B.D.T


★★★★★
5/5

É quase impossível, para alguém que está distante do léxico cultural do funk, compreender a genialidade do DJ ARANA. Ele começou a produzir seu som pelo celular e em pouco tempo já estava tocando nos maiores bailes de rua do Brasil. Tinha menos de 18 anos quando suas produções passaram a definir as principais tendências do Mandelão no início desta década. Ele tem hits, discos que somam milhões de plays nas plataformas digitais, viaja do Oiapoque ao Chuí tocando em festas e, ainda assim, está longe de pertencer a um consenso sobre como provar suas habilidades.

E cá estamos nós, mais uma vez. Diante de um disco que notavelmente cumpriria a tarefa de expor ao mundo o quão destemido DJ ARANA é na arte de fazer do funk um espaço criativo de ponta, um tabernáculo de suas experimentações que desafiam estruturas e imprime, de forma muito pessoal, uma conexão entre ele e o gênero que, mais do que nunca, parece rodar igual pião em suas mãos. É por isso que M.B.D.T – título que faz referência à sua vinheta “O mais brabo da tropa” –, diferente de seus discos recentes (dois deles lançados apenas no Soundcloud como experimentos e testes das mudanças que ARANA estava tentando adotar), parece dar um salto para frente, seja por ter um trabalho de promoção mais bem pensado, ou por apresentar um som diferente e, até mesmo, estranho para a maioria dos seus ouvintes.

M.B.D.T é uma das coisas mais minimalistas já feitas no funk paulista até hoje. É irônico pensar nisso, pois a noção de minimalismo musical aqui é substancialmente diferente do que se tem em outros estilos de tradição de música eletrônica e experimental. Primeiro porque se refere a diminuição dos BPMs, que cria um espaço bem definido entre o som e a voz usada, como se fossem partes separadas, segregadas, entre si – há instantes em que a batida, sozinha, introduz a acapella de MC em completo silêncio. Após isso, tudo se repete infinitas vezes dentro de cada música, o que conecta esse minimalismo de efeito com as bases do funk automotivo. É interessante pensar que só agora DJ ARANA resolveu partir rumo a essas novas marcas, pois faz tempo que os DJs inseridos na cena de São Paulo vinham tentando recriar o esqueleto do funk de BH, que se aproxima do ritmado por ter uma estrutura naturalmente percussiva, mas dentro de uma lógica ainda pertencente a conjuntura paulista, ou seja, sem todo o tecido sombrio, gótico, de Belo Horizonte.

É por isso que aqui são usados beats pontuais, que surgem acompanhados dos refrões e com foco gigantesco em ruído seco, e uma atmosfera estranha que ARANA nitidamente pegou de “Festa do Pente e Rala”, um dos mais recentes virais que ele produziu e que, provavelmente, serviu como resposta à sua crise criativa. E, apesar disso, M.B.D.T tem muito do que o DJ fez em seus melhores álbuns, como Rock Pesado 2 e Carreira Solo – é uma crueza de detalhes, uma estética que parece dispensar o processo de pós-produção. É diferente desses outros trabalhos, porém, devido a quantidade de elementos (a ausência do canto árabe aqui depois dele ter lançado um disco chamado Viva o Romano, fazendo uso do magrão, deixa tudo ainda mais "vazio").

Faixas como "Senta Olhando Pra Mim" e "Vem Alisando" são o resumo perfeito disso. Ainda que presas ao automotivo, com sintetizadores agudos e os timbres da clave sincopados, há uma constante difusão do som central que surge nas batidas de cada uma. Há momentos, como na segunda citada, em que quebras de bateria sintética avançam diretamente para os anos 90, numa construção seca de drums extremamente atmosféricos que viriam a criar o house, jungle e outras linguagens, mas que aqui se convertem ao funk. É neste ponto que as faixas deixam a singularidade em que estão anexadas de lado, de serem minimalistas ou automotivas, e vão além. E, felizmente, não é somente elas: DJ ARANA, aqui, vai muito além, seja de tudo que vinha criando, seja das imposições que lhe são colocadas ou de simplesmente querer provar alguma coisa.

Selo: Independente
Formato: EP
Gênero: Funk / Funk Mandelão

Matheus José

Graduando em Letras, 24 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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