
4/5
DJ MARIACHI parece ter passado por uma transformação sonora radical em Mandela Clubber. Seu trabalho anterior, ainda que competente, parecia refém de uma fórmula genérica de música eletrônica, um território seguro e previsível. Aqui, porém, essa dependência é totalmente subvertida, e o resultado não é uma simples mescla de gêneros, mas uma operação de ressignificação: MARIACHI desmonta elementos conhecidos do funk mandelão e da eletrônica para soldá-los em uma nova liga sonora. O resultado é um conjunto coeso que, embora isso possa soar muito ambicioso, é tão singular que beira a criação de um microgênero próprio.
É fascinante observar como a essência do funk mandelão não só permanece como identidade, mas funciona como o ponto de ancoragem para uma incursão muito mais ousada e diversificada pelo universo eletrônico. A grande evolução está no tratamento do electro house, que aqui ganha uma corporeidade pulsante, uma vitalidade ausente antes. Os maneirismos típicos, como os drops, em vez de soarem como clichês, são aplicados com um carisma e uma timing excelente. As ideias soam mais maduras e sólidas, especialmente na forma como o DJ manipula o elemento acid.
O uso do acid não é meramente textural ou nostálgico, ele é o agente de liquefação do som, o componente que transforma batidas rígidas em experiências fluídas e quase táteis. MARIACHI evita ancorá-lo a um único gênero; há um diálogo claro com o acid house, mas as viagens pelo acid techno são igualmente perceptíveis e eficazes. Essa é talvez a percepção mais preciosa da escuta feita pela redação juntamente comigo sobre Mandela Clubber, que o álbum não apenas incorpora o acid, mas o “mandeliza”, forjando uma argumentação sólida para o que se poderia batizar de “acid mandela” – obrigado maq.
A dinâmica interna do álbum é notavelmente combativa. Os elementos das faixas — os sintetizadores, elementos de acid e as acapellas — parecem estar em constante disputa pelo protagonismo. Essa fricção não gera caos, mas sim uma energia tensa e cativante. É nesse caldeirão que a “barulheira” brilha. A exploração de vertentes clubber não precisa ser academicamente profunda; ela é, acima de tudo, funcional e brilhantemente executada. Os drums são mixados com precisão, e as modulações criam paisagens sonoras em constante mutação, mantendo o ouvinte em estado de alerta e descoberta.
As faixas “ESCORREGA” e “HARDMANDELA” funcionam como os pilares centrais que resumem a proposta do álbum. A primeira é uma aula de aplicação do acid, onde o elemento opera em seu estado mais puro e contundente, dominando a paisagem sonora. Já “HARDMANDELA” é a realização máxima do conceito, apresentando o casamento perfeito entre as acapellas do mandela e a agressividade da música eletrônica. Sua segunda virada é um momento de catarse absoluta, preenchendo todo o espectro auditivo com camadas de som exaltadas, enquanto elementos secundários tecem um contraponto inteligente em volumes mais baixos, demonstrando uma mixagem sofisticada e consciente.
No entanto, a estrela do álbum é “FODY”, ela condensa todas as características já elencadas — o ritmo combativo, o acid líquido, a integração inteligente do mandelão — e as eleva a outro patamar. O refrão é construído em torno de um elemento sonoro penetrante, um stab de frequência aguda que é mágico. É um som corporalmente minúsculo, quase pontiagudo, mas de uma eficácia cortante. A faixa, embora curta, tem cada segundo maximizado para criar uma música altamente emblemática e viciante.
Mandela Clubber se insere em uma leva crescente de artistas que aproximam o funk da eletrônica, um movimento bem comentado por aqui. Mas onde muitos se contentam em habitar essa interseção, DJ MARIACHI ambiciona mais. Ele não quis apenas fazer parte do movimento; quis dissolver as barreiras entre os gêneros com uma intensidade tão grande que o resultado final não é um "álbum de funk e eletrônico", mas simplesmente Mandela Clubber.
Selo: Independente
Formato: EP
Gênero: Funk / Mandelão, Eletrônica