Crítica | The Well of Shame


★★★★☆
4/5

O rock chinês é frequentemente esquecido quando se trata de “cena mundial do rock”, não somente por uma questão ocidental, como também por sua dificuldade de acesso — algumas bandas mais atuais disponibilizam suas músicas em plataformas que só funcionam em território chinês. Porém, é inegável não apenas a pluralidade como a complexidade da história e desenvolvimento do rock na China, e como Rats&Pears [属梨/shǔ lí], banda de Xi’An, é um claro exemplo de influências do ocidente e consolidação de uma expressividade característica de um rock que nasceu nos subúrbios de Beijing.

Durante 30 anos (1980 à 2000) a cena de música independente na China lutou contra questões políticas e culturais, como o grande processo de “ocidentalização” das mídias da China — que começou décadas antes — e novas políticas para a tentativa de resgate cultural milenar. Para registro, a primeira banda de rock da China se chamava Wanlimawang, durante os anos 1970, em Beijing, sem qualquer precisão de data. Anos e anos se passaram, e surgiram mais bandas, em diversas regiões do país, mas, tendo sempre como ponto de ignição a cena de Beijing.

Rats&Pear, vindas de Xi’An, demonstram a clara influência do rock de Beijing, psicodélico, post-punk — como elas se autointitulam —, noise, experimental e com caráter ativista; seguindo quase como uma tradição consolidada entre 1999 e 2002 no país. A primeira faixa deste registro que os tazem em plena forma, “The First Shot”, conta com o sample de uma cena do filme As Sufragistas, de 2015. Em meio a gritos de dor e um solo incessante de bateria e guitarra, com o crescente movimento de arranjos descompassados.

Enquanto que “WuHu” lembra uma trilha sonora que facilmente estaria em algum filme de horror e comédia dos anos 1980, um sinistro som artificial no fundo de um solo de guitarra, e a vocalista recitando um trecho do famoso livro de histórias fantásticas da Dinastia Qing, Contos Estranhos de Liao Zhai [tradução livre].

As faixas seguintes “The Argument”, “A Burning Nightmare”, “Under the Veil”, “So Who Has Took my keys?”, “Three Kilometers Away” e “Drowning” são um reflexo das duas primeiras faixas e suas propostas: um barulho que ecoa por letras que evocam o lirismo chinês, mas, com críticas atuais, visando a liberdade e narrando um processo de radicalização e emancipação particular, refletindo, de certa forma, questões que a banda reivindica — feminismo e direitos queer — com um som psicodélico e feroz, a voz de Yan Yuchen não se curva, apenas cresce, grita, se mantém de cabeça para cima.

Em “Celebrating the Spring”, Yan Yuchen canta mais doce, com ternura, celebrando a chegada da primavera, como um fio de esperança. Para concluir, a letra e construção de “She Has Waited Too Long” são como uma sequência de epitáfios, em diferentes lápides, com dizeres que se complementam, mas que se sustentam em solo. Cada refrão traz à tona uma voz de esperança e realidade, com uma harmonia sobreposta por várias vozes, e, o fim do álbum. Seu último epitáfio, “não há onde se esconder” [tradução livre].

Selo: Maybe Mars
Formato: EP
Gênero: Música do Leste e Sudeste Asiático / Rock, Noise Rock

beatriS

Bibliotecário nas horas vagas. Faço parte das curadorias de Música do Leste e Sudeste Asiático, Rock e Experimental.

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