
3/5
Quando lançou seu EP autointitulado em 2019, Urias parecia ter encontrado ali sua razão de fazer música. “Diaba” continua sendo sua melhor faixa; é o ponto máximo em que suas características líricas e musicais se encontram em equilíbrio, com uma força e presença únicas dentro do contexto em que se insere. Versos como “Não sou nova aqui, não te peço licença / Sua permissão nunca fez diferença / Com toda educação, foda-se sua crença” ecoaram como parte integrante da oposição ao momento político que o Brasil enfrentava.
Desde então, a artista tem lançado um trabalho após o outro, buscando novamente algo que lhe proporcione uma presença mais marcante e definida. HER MIND, de 2023, foi outro acerto: suas explorações eletrônicas dialogaram bem com a ampliação do conceito de experimentalismo de gênero entre o público. Antes disso, no entanto, ela lançou trabalhos menos interessantes, como FÚRIA e FÚRIA PT 1. Seu novo álbum, CARRANCA, surge como uma tentativa de reafirmar uma direção artística. O resultado é louvável, mesmo que Urias ainda soe, em partes, um tanto dispersa.
O que se nota em todos os seus acertos é o modo como ela consegue fazê-los conversar com questões do momento, o que favorece suas ideias, ainda que de forma indireta. E a impressão que dá é que CARRANCA também nasce atento, mais do que nunca, ao seu entorno. O disco passeia por uma série de estéticas prontas para conquistar o mesmo público que se encantou com CAJU, no ano passado, e Coisas Naturais, neste ano – e certamente o fará. A diferença é que, enquanto Liniker e Marina Sena apostam em um pop de apelo mais direto, Urias investe em signos que dão contornos mais profundos às suas letras e ritmos, assentados em suas raízes afro-brasileiras. O próprio nome do álbum, CARRANCA, remete às figuras de madeira esculpidas para afastar maus espíritos. O que ela faz aqui é prolongar esse estado de proteção, enquanto canta sobre temas que alcançam certa universalidade.
Em “Deus”, parceria com Criolo, percussões orgânicas e sintéticas abrem caminho para versos cantados com mesclas inteligentes de “Soca Pilão”, de Inezita Barroso. A entonação grandiosa da faixa, num plano distante e próximo ao mesmo tempo, dialoga com “Diaba”, não pela semelhança, mas pelo contraste entre ambas. “Levaram Deus / E é por isso que eu não amo nunca mais”, canta ela, antes de o ritmo se partir ao meio e acordes de violão conduzirem uma ponte que intensifica a instrumentação e a performance vocal, motivo de críticas injustas à artista, mas que aqui se ajusta perfeitamente às composições líricas e sonoras. “Etiópia”, por sua vez, adentra um R&B estelar, com toques analógicos e cheio de suingue. É um dos pontos altos do disco: ao mesmo tempo em que reflete suas raízes e a sua noção de lar, mantém-se dentro das linhas do pop com um refinamento que a coloca anos-luz à frente de “Paciência”, parceria com Don L, que é, de longe, a menos interessante de CARRANCA, essencialmente pela presença do rapper, que em 2025 já soa previsível e parece rimar a mesma coisa de sempre.
Por sorte, “Herança”, com Giovani Cidreira, é outro destaque entre as colaborações. É uma peça que amplia o tom natural do disco com referências MPBistas e nuances do soul/R&B alternativo brasileiro, consolidado a partir da fusão entre extremos sonoros e a chamada pós-MPB. É uma faixa linda, um dueto em plena sintonia. O rap de Urias evidencia sua potência, seu flow e sua agilidade em versar. E é disso que CARRANCA é feito: de ideias interessantes, mesmo quando nem todas são plenamente efetivadas. O álbum se encerra com “Voz do Brasil”, uma faixa que resume bem esse espírito. É inteligente e divertida, mas também irritante. Ainda assim, é o tipo de encerramento que reforça o gesto maior de Urias: o de se arriscar, experimentar e permanecer atenta ao tempo, enquanto tenta entender onde – e como – sua música quer chegar.
Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Pop / Música Brasileira