
★★★★☆
4/5
Lady Wray apresenta em Cover Girl um trabalho com viés de uma declaração íntima, um mergulho naquilo que moldou sua trajetória: o soul clássico, a força do gospel, o groove do funk e a cadência do R&B dos anos 90. É um álbum que não se esconde atrás da nostalgia, mas dialoga com diferentes épocas e estéticas para construir algo próprio e com forte emocional.
A abertura com “My Best Step” traduz isso; a dramaticidade soul/R&B da faixa cria exatamente um clima de apresentação. E a partir daí o disco não se prende a uma fórmula. Há canções mais expansivas, como “Be A Witness”, que imediatamente conquista pelo posicionamento dos vocais e pelo balanço funk contagiante; e há outras mais delicadas, como a faixa-título “Cover Girl”, de instrumentação minimalista, onde a cantora coloca sua vulnerabilidade em primeiro plano.
O conceito do título ganha ainda mais peso quando descobrimos sua origem. “Cover Girl” era como a família a chamava na infância, por estar sempre arrumada, de cabelo feito e roupas cuidadas. No álbum, esse apelido é resgatado como símbolo de identidade e autoafirmação. Lady Wray transforma essa memória em uma metáfora pessoal de reencontro consigo mesma, com a leveza que talvez tenha se perdido em algum ponto de sua carreira.
O disco também carrega momentos de surpresa como em “Hard Times” que se destaca pela pegada que evoca ecos dos anos 80, lembrando inclusive a fase inicial de Madonna — uma faixa irresistível de ter em repeat. Já “Best For Us” traz um clima próximo ao do neo-soul de Durand Jones & The Indications ou Jalen Ngonda, criando uma textura que reforça a riqueza do arranjo vocal. E quando chega em “You’re Gonna Win”, com a participação marcante do coral The Fabulous Rainbow Singers, o álbum atinge uma potência quase litúrgica, unindo espiritualidade e groove de maneira mais natural.
Mesmo preferindo álbuns mais animados, reconheço que Lady Wray soube equilibrar diferentes climas com faixas que puxam para o gospel e outras que exploram o soul mais dançante, mas sempre dentro de um fio condutor muito contínuo. Esse cuidado se deve também à parceria sólida com o produtor Leon Michels, responsável por garantir a coesão entre passado e presente, sem deixar que a sonoridade se perca em saudosismo.
As três últimas músicas ganham um tom mais introspectivo, fechando o trabalho com camadas de reflexão. E esse contraste dá um certo brilho ao álbum, nada pensado em tentar ser grandioso ou universal, mas íntimo e direto. É de fato, um registro para fãs, mas também um ponto importante na trajetória da artista, um trabalho que mostra segurança e honestidade.
Depois de ter conhecido Lady Wray lá em 2016, pela faixa “Guilty” de Queen Alone, eu nunca havia explorado tanto sua discografia. Agora, com Cover Girl, percebo como ela encontrou um espaço muito próprio — capaz de juntar influências, dialogar com gerações diferentes e, ao mesmo tempo, soar atual. Para mim, este é um dos álbuns mais interessantes do ano pela forma como combina suas referências e pela clareza de sua proposta.
Selo: Big Crown Records
Formato: LP
Gênero: R&B / Soul