Crítica | Novo Testamento


★★☆☆☆
2/5

AJULIACOSTA já se firmou como uma das vozes femininas do rap brasileiro disposta a enfrentar a mesmice de uma cena ainda majoritariamente composta por homens. Seu recente lançamento, Novo Testamento, deixa isso evidente, trazendo mensagens diretas e consistentes. No entanto, apesar de sua relevância simbólica e do peso histórico que carrega, o álbum não alcança toda a potência que se poderia esperar.

Em 25 minutos, a rapper demonstra ter vasta bagagem de referências e lirismo. Escrever sobre sua vivência e entrar no fone de uma mulher que a escuta cria uma proximidade rara, capaz de gerar forte identificação com seu público. Sua autoconfiança soa como um verdadeiro “remédio”, como ela afirma, para os ouvidos femininos. Aju não mente quando diz que estudou o que faz. Estar nos braços de Dharma — quarta faixa do álbum — tem um significado real. Mesmo com um flow não tão linear, a escolha da palavra carrega peso: remete ao que se mantém elevado, à missão de vida, àquilo que viemos realizar no mundo. Essa mensagem ecoa com força em um público feminino que, muitas vezes, é condicionado a aceitar o que lhe é imposto, sem espaço de escolha.

“O que a Júlia vai ser?” se destaca como um dos pontos altos do trabalho. A faixa se volta diretamente a mulheres sonhadoras que, antes de dormir, traçam mil caminhos possíveis para se tornarem alguém capaz de transformar o mundo. Aju nos convida a entrar em sua intimidade, como se estivéssemos ao seu lado, acompanhando suas próprias reflexões sobre o futuro: “O que a Júlia quer? O que a Júlia vai ser? Muda a vida, muda tudo, mas não muda a minha sede”. Esse diálogo direto com a ouvinte consegue criar cumplicidade. “Uma mulher que não se desafia está fadada a ficar no mesmo de sempre. Eu não faria isso com a gente”, afirma, reforçando a força dessa conexão.

Além de olhar para o futuro, Aju também aborda a autoestima dentro e fora dos relacionamentos. Em faixas que flertam com o R&B, como “Quero Saber” e “Sob a Luz do Seu Olhar” (esta última com participação de Alt Niss), a sensualidade do gênero se soma aos versos da rapper. Porém, em alguns momentos, sua entrega ainda soa truncada, difícil de acompanhar em ritmo e cadência, como em “Eu sei falar de amor é tão confuso. Mas não me confunda com as suas experiências”.

Há mérito na forma como ela dialoga com o rap old school e o boom bap, mas também transita para sonoridades mais modernas, trazendo participações de peso como DJ KL Jay e Mu540. Ela acerta ao criticar o algoritmo previsível do trap em “Toc Toc Toc”, mas, paradoxalmente, em alguns momentos do álbum sua própria produção parece cair em certo marasmo. Apesar do lirismo forte e da presença marcante, ainda falta um beat à altura de sua escrita. AJULIACOSTA tem língua afiada, coragem e voz, mas a produção por vezes não a acompanha, o que acaba diluindo parte de sua credibilidade e impacto na cena.

Novo Testamento é, sem dúvida, um álbum que pode servir de mantra para seu público-alvo. No entanto, entre altos e baixos, oscila entre momentos de grande força e passagens monótonas, revelando tanto o brilho quanto às limitações de AJULIACOSTA e correndo o risco de, com o tempo, cair no esquecimento.

Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Hip Hop / Rap, Boom Bap
Talita Mutti

Estudante de Jornalismo, 21 anos. Obcecada por música e fotografia desde a adolescência. No Aquele Tuim, faz parte da curadoria de Hip Hop.

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