Crítica | Don't Trust Mirrors


★★★★☆
4/5

Há uma carga intensa de emoção no novo álbum da musicista nova-iorquina Kelly Moran. Don't Trust Mirrors surge após ela consolidar um posicionamento próprio em suas investidas pelos instrumentos que domina, algo já evidenciado em Moves in the Field, lançado no ano passado. Com os pares já consolidados, este novo material busca aprofundar a relação de Kelly com sua própria maneira de criar sons, de fazer música objetivamente. No single que antecede o álbum, “Echo in the Field”, seus dedilhados agudos e a combustão de instrumentais e drones de step criaram uma peça frágil, porém impossível de desvendar, esmiuçar, dada a extensa quantidade de elementos apresentados em primeiro plano. O restante do disco, no entanto, é mais confinado a algumas dimensões, refletindo a expressão de sentimentos da artista por meios difusos, únicos e distintos de tudo o que ela já fez.

E é justamente aí que reside a emoção de Don't Trust Mirrors. Na faixa-título, em colaboração com Bibio, os acordes vão, pouco a pouco, ocupando os espaços que a presença de Kelly não alcança, como se deixassem um fragmento de si para que o outro também pudesse expor suas partituras. É como se ali se instaurasse um diálogo para além de qualquer linguagem convencional, no qual nascem algumas das melodias mais afáveis do ano. E essa é a base da comunicação entre eles. “Lunar wave”, quase em sentido oposto, expande-se por tons atmosféricos que remetem ao space ambient, centrada, porém, na captura inconfundível de Kelly e em seus toques calmos, que se arrastam pela imensidão de imagens criadas nesse espaço quadridimensional. Em outros momentos, como em “Chrysalis”, as sombras reconstroem a sensação de passagem pelo sono, aquele estado de consciência que vai e vem. A melodia da caixinha de música dá o tom pop do álbum, mas aqui você pode enxergar Vespertine, de Björk.

Kelly Moran faz questão de nos lembrar, a todo instante, de sua consciência da mudança, de seus novos e velhos paradigmas, representados pelos instrumentos que toca como se fossem extensões de uma anatomia sobre-humana, seja o piano ou seus derivados. A mensagem deixada por “Cathedral” e seu drone persuasivo, relutante em se estabelecer e depois zarpar, deixa uma sensação de vazio, um contraste gritante, uma contradição que seus dedilhados tentam absorver. É comovente a forma como Moran toca em profundidade qualquer um disposto a compreender o que tem a dizer, sobretudo pela maestria com que manipula todos esses elementos. É uma das grandes compositoras de nosso tempo.

Selo: Warp
Formato: LP
Gênero: Experimental / Eletrônica

Matheus José

Graduando em Letras, 24 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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