Crítica | Sen'nyū [泉涌]


★★★★☆
4/5

Em Sen’nyū, o compositor japonês Meitei [冥丁] mergulha nas águas termais de Beppu como intérprete de sua geografia sonora. Convidado para celebrar o centenário da cidade, o artista instalou-se por duas semanas num antigo armazém do Yamada Bessou com o intuito de vivenciar, conhecer e, claro, registrar a vida sonora do local, conhecido pelo seu grandioso número de casas de banho – onsen –, utilizadas desde o século XII.

Meitei ficou conhecido através de sua série Lost Japan, cujo foco estava o resgate de cenários culturais diferentes do Japão antigo (desde o folclore local até a situação das trabalhadoras sexuais do período Edo), numa busca entre o nostálgico e o histórico. Sen’nyū abre um novo capítulo no catálogo do compositor. Se afastando da reconstrução do passado, aqui, Meitei reconstrói o próprio presente que vive, se aproximando do kankyō ongaku, a vertente da música ambiente no japão que é mais traduzida como “environment music” no ocidente (não música ambiente, mas música feita através do ambiente). Em Sen’nyū, essa ideia se materializa de forma literal: os chiados do vapor, o correr, pingar, borbulhar – e todas as variantes possíveis – da água, os registros dos ventos que passam pelos bambus, e os sinos que ressoam, tornam-se as peças da composição.

A sequência das faixas cria um fluxo contínuo, como a água que percorre as pedras do onsen. Cada trecho se dissolve no seguinte, numa escuta sem arestas, em que sintetizadores e flautas se misturam às gravações de campo. Os sons mais suaves são sintetizados, transformados em eco para ecoar como uma superfície “drone”, enquanto as texturas mais ou menos suaves convidam à imersão total. As rupturas existem, como na vida cotidiana, compõem esse cenário sem nos tirar do mundo idílico, como na faixa 4, “Sen’nyū – Yon-no-yu”. É o momento em que o álbum irrompe em som efervescente, em que o borbulhar da lama pulsa pela atenção do ouvinte.

Nas faixas 2 e 5, Meitei amplia essa presença física ao incorporar a participação invisível do público. O som dos passos, o ranger das portas, a reverberação do vapor entre corpos ecoam junto ao natural, sem hierarquia. Essa fisicalidade faz de Sen’nyū um registro quase documental, mas filtrado pela sensibilidade onírica de Meitei.

O disco é também um gesto de escuta do presente. Se os trabalhos anteriores de Meitei revisitam eras desaparecidas, aqui ele registra um Japão que ainda pulsa. A cultura dos banhos termais, transmitida há séculos, sobrevive como prática cotidiana, e Meitei a capta sem exotismo, como quem documenta um ritual ainda vivo.

Selo: KITCHEN. LABEL
Formato: LP
Gênero: Experimenta / Ambiente, Kankyō ongaku, Eletrônica

Leonardo Zago

Formado em Comunicação Social com ênfase em Midialogia, 27 anos. Amante de cinema e música. No Aquele Tuim, integro a curadoria de música Eletrônica e Experimental.

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