Clássicos do Aquele Tuim | Red (2012)


★★★★★
5/5

Era por volta de 12h30 quando eu, sob um calor de quase 30 °C, subia a rua de casa vindo da aula, andando a passos largos pra chegar e, como toda criança em fase de crescimento, almoçar novamente depois de já ter comido na escola. Bem, eu fazia isso, mas o que me interessava mesmo era almoçar assistindo à programação da antiga Mix TV. Era um verdadeiro ritual, visto que minha mãe, nesse horário, se ocupava com os afazeres domésticos; minhas irmãs estavam na escola (estudavam à tarde, ao contrário de mim) e meu pai, no trabalho. Eu tinha a TV só pra mim, aquele era o meu momento. Eu adorava os inúmeros top 10 que exibiam ao longo do dia, tanto de clipes quanto de músicas pop, e embora já fosse uma estrela global naquele período – conheci Taylor Swift através de “Long Live”, com Paula Fernandes – ela não era exatamente uma artista pop que aparecia com frequência nesses rankings. Quando vi o clipe de “We Are Never Ever Getting Back Together” pela primeira vez, sabia que era ela, mas de um jeito diferente, ao menos do que eu estava acostumado.

Apesar de lúdico, havia naquele vídeo o início de algo que se tornaria ainda mais forte em “I Knew You Were Trouble” e “22”. Eu não fazia ideia, mas para os padrões da época, Taylor Swift estava deixando de ser apenas country pop para se tornar country e pop, e anos depois só pop. Red representa precisamente esse momento que muitos chamam de “transição” de estilos na carreira dela, mas eu sou cético quanto a isso. Pra mim, sempre foi pop. Enfim, não é o assunto deste texto; de alguma forma, estava acontecendo, e a maneira como esses clipes se repetiram nas semanas seguintes foi mágica pra mim. Taylor Swift já era uma estrela consolidada. Seu apelo country havia ficado para trás, junto aos relacionamentos que moldaram seus dois discos anteriores e, em busca de superar tudo isso e se reinventar artisticamente, ela lançou Red. Houve ali o estabelecimento de sua identidade pop, a colisão de influências e expectativas, e, enfim, a ruptura com o que antes definia sua trajetória. Red é hoje reconhecido não apenas como um marco pessoal, mas como uma das transições de estilo e de imagem mais bem-sucedidas da música contemporânea.

É um mosaico fragmentado de sentimentos que, de alguma forma, se encaixam no final. Feliz, livre, confuso, sozinho, devastado, eufórico, selvagem e torturado por memórias do passado. “Como montar as peças de uma nova vida, fui ao estúdio e experimentei sons e colaboradores diferentes. […] algo foi curado em mim ao longo do caminho.


E não há como duvidar da veracidade dessa descrição feita pela própria Taylor Swift quando os segundos iniciais de “State of Grace” começam a tocar, como se a poeira do chão subisse a cada batida de bateria, ao aquecimento das cordas e aos riffs que surgem num compasso tão fácil de identificar quanto os vocais dela, que seguem ditando o ritmo da faixa até o fim. É arrepiante, um prenúncio de que ela estava destinada a criar algumas das melhores músicas pop de todos os tempos ali. “We fall in love 'til it hurts or bleeds / Or fades in time”, canta ela, dando outro aviso, dessa vez mais latente, com sua visão epifânica sobre o amor, como se dissesse: “aqui estão as minhas melhores composições” – e de fato estão. É o tipo de introdução para ser cantada em plenos pulmões, guia de um caminhar noturno sem destino.

Muitos desses sentimentos hoje são intensificados pela nostalgia, é verdade. Especialmente se cometermos o crime de comparar Red com os lançamentos atuais. É abismal. Talvez porque havia um contexto ali, e o banjo no início da faixa-título explica o motivo. Nada de Taylor Swift no country havia soado como aquilo, e quando tudo explode no pré-refrão, dando sentido ao título do álbum, o jogo de cores com emoção, caramba, é um nível de composição lírica simples, mas ao mesmo tempo inalcançável, já que ninguém havia pensado nessas palavras antes dela. É justo e adequado àquele instante, aos sentimentos traduzidos por metáforas e batidas que apertam o coração: “Loving him is like driving a new Maserati down a dead-end street / Faster than the wind, passionate as sin, ending so suddenly.”

Aqui estavam os pilares temáticos de Taylor Swift: o retrato de seus relacionamentos passados, a superação, a culpa, a crônica musicada em cada faixa. Há o equilíbrio de suas idealizações nas músicas seguintes: “Treacherous”, um country adocicado sobre se entregar de corpo e alma a uma paixão, mesmo não devendo, e “I Knew You Were Trouble.”, a dor expurgada por uma mistura de riffs e batidas acústicas que logo se transformam em um electropop com dubstep que beira o poder de dez mil quilotons por segundo. É o tipo de força explosiva que ela tentou resgatar em vários momentos de reputation, e não conseguiu. A essa altura, não havia mais para onde correr: cada uma dessas canções já fazia parte da história e segue sendo reverenciada, analisada e dissecada pelos fãs. Foi ali o início de tudo, e o ápice emocional de Red confirma isso: “All Too Well”. Cada palavra, cada verso, cada sintagma descreve um relacionamento de forma insuperável. É consenso entre fãs e crítica por um motivo. É difícil ignorar a maneira como ela construiu ali uma vida, que logo se apaga, mas que dura em seus microssegundos, confusos, com acordes densos. É a exposição mais sensível, delicada, bruta, dilacerante e humana que ela já fez.

Impossível recuperar o fôlego depois dessa faixa, mas “22” merece o feito. Agitada, feliz e confusa ao mesmo tempo. É como se retornássemos ao início com “State of Grace”, desta vez sem precisar passar pela montanha-russa emocional. O ritmo se mantém alto, erguido até o último patamar de um prédio que termina seus andares na camada de ozônio. É uma canção solar, que dura injustamente pouco, já que antecipa a queda que sofremos lá de cima: “I Almost Do” e a saudade; “And I just wanna tell you / It takes everything in me not to call you”, porque isso dói tanto?

Não demora muito para o ritmo crescer novamente. “We Are Never Ever Getting Back Together”, outro exemplar titânico da força pop de Taylor Swift aqui, extravasa sua libertação. Apela para maneirismos, é divertida; tudo o que o centro do álbum precisa para se sustentar, já que no restante o que há é uma repetição do que foi apresentado até aqui, não num sentido negativo, pois, apesar de pressupor, é de fato um disco bagunçado. É o que chamam de colcha de retalhos, e isso explica o motivo de funcionar perfeitamente, ainda que haja uma correlação mais sólida de seus temas na primeira metade. Veja bem, eu não sabia inglês naquela época, e ainda assim podia sentir sobre o que as músicas falavam. Esse é o poder swiftiano de traduzir emoções, algo que, naturalmente, ela foi perdendo com o tempo. Mas, só de saber que Red segue sendo uma narrativa emocional cuidadosamente construída, capaz de expressar a vulnerabilidade e a complexidade de Swift através de canções que se tornaram contos e lendas, já basta. O tempo favoreceu ainda mais ele. É talvez seu melhor trabalho por alcançar exatamente esse equilíbrio, transitar entre baladas com ares reflexivos, refrões pop irresistíveis e colocações sonoras que expandem seus limites o tempo todo. As composições se perpetuam no imaginário coletivo. É um disco que não apenas marca uma fase, mas redefine o posicionamento artístico de Taylor Swift de forma definitiva.

Selo: Big Machine Records
Formato: LP
Gênero: Pop / Country Pop, Electropop

Matheus José

Graduando em Letras, 24 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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