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Em 2013, A.G. Cook soltou ao mundo sua Radio Tank Mix, amplamente considerada como um dos lançamentos basilares da PC Music e o que hoje é considerado como “bubblegum bass”. Sua reinterpretação radical do pop eletrônico proeminente nas décadas de 2000 e 2010 envolveria Carly Rae Jepsen pela primeira vez ao fazer um remix de sua música “This Kiss” juntamente de “Beautiful”, uma das músicas mais marcantes lançadas pela sua gravadora. Essa constante procura pelo êxtase por meio das texturas robóticas e os arranjos sintetizados tinha como objetivo não apenas incorporar sensibilidades underground dentro de um imaginário mainstream de pop eletrônico, mas suscitar o pensamento crítico dentro de artistas que faziam parte deste maquinário. Discutivelmente, pode se considerar que a recontextualização de “This Kiss” pela estética do bubblegum bass foi um dos primeiros esforços críticos na abordagem composicional da artista canadense. E, como mencionado anteriormente, não seria a primeira vez em que Carly seria cooptada para o tratado musical proposto por A.G. Cook, SOPHIE e companhia: ela emprestou sua voz para “Super Natural” de Danny L Harle e participou na música “Backseat” de Charli XCX, que abriu uma das obras-testamento deste nicho da música pop, a mixtape Pop 2.
Esses movimentos demoraram para ser percebidos pelo público geral. Não era incomum pensar em 2015 que Carly estaria fadada a pecha infame do one-hit wonder. Os nichos de fóruns musicais – e da crítica, numa generalização mais extensa – marcados por um viés negativo a música pop e uma valorização da música mais pautada em gêneros tradicionalistas como o rock, estavam começando a mudar essa mentalidade. Os álbuns-evento como My Beautiful Dark Twisted Fantasy, Watch the Throne, Random Access Memories, 4, BEYONCÉ e 1989 foram muito marcantes para serem ignorados por estes círculos musicais. Todos esses discos marcaram sua época por elevar a música pop a um nível de ambição que não era visto desde meados dos anos 2000, e que foram responsáveis por proporcionar um cenário de pluralidade em círculos antes vistos como masculinistas e rockistas. Foi neste cenário que E•MO•TION se fez visto com olhares diferenciados desde a sua gênese. O envolvimento de nomes como Blood Orange, Ariel Rechtshaid e Rostam Batmanglij (Vampire Weekend) trariam uma atenção um tanto quanto inesperada para Jepsen, que num AMA no Reddit – realizado na última sexta-feira, 17/10 – em resposta a um fã que perguntou sobre o envolvimento desses nomes, explicou sobre o processo de envolvimento desses artistas: “A maneira como as descobri foi ouvindo ótimas músicas e depois pesquisando os créditos de quem estava envolvido. Às vezes, pedia para minha gravadora entrar em contato, às vezes, eu falava pessoalmente." Mesmo com esses nomes de alto calibre e uma atenção prestigiada de veículos como a Pitchfork, o impacto inicial de E•MO•TION não foi particularmente massivo. Mas quem se deixou arrebatar pela sua potência, não olhou para trás.
Em retrospecto, dá para entender como E•MO•TION não foi tão imediato assim: a pretensão dele não era ser um álbum-evento, um projeto visual e conceitual apurado como alguns dos álbuns que marcaram época. A artista canadense estava interessada em construir um álbum composto por canções extasiantes, essencialmente e sem vergonha nenhuma de ser pegajosas, grudentas, populares. Para os que deixaram ser impactados pelo álbum em 2015, E•MO•TION pareceu como um segredo deliciosamente compartilhado para poucos, um prazer totalmente sem culpas. A abordagem oitentista do álbum não era novidade – no mainstream, Daft Punk e Taylor Swift haviam lançado álbuns influenciados pelo pop oitentista nos anos anteriores. Em outros nichos, ABRA e o próprio Blood Orange já desenvolviam essa influência em suas obras –, mas a execução de Carly pareceu ser a primeira vez em que a preocupação fosse realmente entender como atingir os níveis de euforia de canções como “Lucky Star” e “Girls Just Want to Have Fun”.
Esse fator se torna ainda mais evidente quando pensamos que o momento mais emblemático do álbum todo são suas primeiras notas: o solo de saxofone de “Run Away with Me”, a música que se tornou o carro-chefe da cantora canadense para o público que a abraçou após o lançamento do álbum. A canção também é marcante por dar o tom ao que será ouvido pelo álbum todo: canções românticas, hedonísticas, explosivas e eufóricas. Poucas músicas pop se entregam tanto a efemeridade de um momento quanto “Run Away With Me”, algo que fica ainda mais sentido quando Jepsen retorna para o último refrão depois da ponte: é um prazer que precisa ser prolongado, uma emoção que precisa ser sentida até a última gota, infinito enquanto durar.
Deleites como estes descritos estão espalhados por todo o álbum, uma coleção impressionante de músicas sentimentais. As canções de amor cantadas por Carly chamam a atenção por serem repletas de um romantismo latente que beira o exagero: “But when I get right next to you / I hear this heartbeat break in two / I feel the earthquake in the room and so I pray”. Dentre os vários prazeres do álbum, pessoalmente, o que mais me atrai são os momentos em que Carly Rae Jepsen retrai do esquema clássico synthpop para momentos mais cadenciados. Quando conheci o álbum, em 2015, a música que me fez me apaixonar de vez por tudo foi “All That”, composição da artista em conjunto com Dev Hynes. Me impressiona bastante até hoje como o arquétipo oitentista desenvolvido por Jepsen e seu time de produtores ultrapassa a mera menção, a mera referência e vira o ponto focal de um universo pop que outrora estava esquecido pelo mainstream. Como mencionado, isso não era novidade. Além dos artistas citados anteriormente, E•MO•TION é fruto de uma época da música onde os anos 80 eram constantemente reconfigurados e recontextualizados por meio do chopped ‘n’ screwed - vaporwave, Chuck Person’s Eccojams, Macintosh Plus. Jepsen sucede principalmente por recusar a ironia e o sarcasmo inerente nessas abordagens, abraçando a sinceridade e transpondo um sentimentalismo pungente em cada uma dessas canções.
São desses momentos de introspecção do álbum que me fazem chegar a outro ponto notável do álbum, “Warm Blood”. Jepsen volta para dentro de si numa vulnerabilidade marcante, e a própria música parece recusar a explosão espalhafatosa que marca os momentos mais dançantes do disco. A produção minimalista de Rostam Batmanglij vai ficando mais intensa conforme os vocais de Carly vão ficando mais evidentes e proeminentes até o refrão setar tudo no mesmo volume, como se essa contradição da vontade de expressar os sentimentos e a recusa de expor essa fragilidade entrassem em combustão, demonstrando uma emoção além da fantasia do amor romântico: “Let down my guard tonight, I just don’t care anymore / And I've told a hundred lies, But I don't wanna tell you any at all”. É a minha música favorita do álbum e, consequentemente, a minha música favorita de Carly Rae Jepsen.
E•MO•TION nasceu fruto de sessões de mais de 200 músicas. Além da versão standard e dos bônus (que geraram o acréscimo de músicas como “I Didn’t Just Come Here to Dance” e “Favorite Colour”), ainda chegamos a ser agraciados com o E•MO•TION: Side B, oito músicas provenientes dessa sessão, no que se tornou uma prática comum para a canadense nos seus álbuns subsequentes. Além disso, os descartes do álbum viraram canções marcantes de outros artistas, como a música “When I’m Alone” do grupo sul-coreano f(x). Com um lastro tão forte, era impossível que a obra permanecesse apenas nos nichos por tanto tempo. A partir da apreciação crítica e dos burburinhos nos círculos musicais, o álbum chamou a atenção também daqueles aficionados por música pop, e lentamente, mas merecidamente, E•MO•TION é visto como um consenso popular e crítico.
Selo: Interscope Records
Formato: LP
Gênero: Pop / Dance-Pop, Synthpop, Electropop