Crítica | hooke’s law


★★★★☆
4/5

Um fator em particular me chamou atenção no processo de lançamento de hooke’s law: a reação do público que acompanhou a turnê conjunta de keiyaA com Ravyn Lenae, que ocorreu no último mês de Outubro pelos Estados Unidos. A artista, que tem o costume de interagir nas redes sociais com seu público, ressaltou alguns tweets de quem acompanhou a turnê falando como ela se movimentava constantemente pelo palco, sem o auxílio de DJ, ressaltando jocosamente a necessidade de alguém dar um descanso para a cantora, que produz suas próprias músicas e conta mais uma vez com um trabalho arquitetado por si mesma para o público. Um vídeo da performance pode ser visto aqui.

Este cenário descrito permeia todo o auto-produzido hooke’s law, lançado 5 anos depois do seu primeiro álbum, Forever, Ya Girl. Ele se apresenta como um álbum que olha para si e para frente, num esforço de introspecção que recusa a obviedade. A arquitetura sonora desenvolvida por keiyaA consegue a ser ao mesmo tempo leve e caótica. Esse dinamismo pode ser visto na forma como a artista pega os motes comuns do R&B e os transforma num camaleão, que vai de beats eletrônicos fortes para uma onda sonora ambiente e logo depois para percussões jazzísticas. Isso tudo enquanto conseguimos traçar uma hierarquia familiar com outros artistas que operam de diferentes maneiras – vejo hooke’s law principalmente como uma continuidade dos experimentos feitos por Solange na sua obra prima When I Get Home. O resultado final é muito próprio e de uma intimidade que em alguns momentos chega a ser invasiva.

O jeito como keiyaA explora essas diferentes sonoridades constitui um fluxo cadenciado de sensações que intensificam o seu trabalho lírico. O contraste inicial da sequência “i h8 u”, “stupid prizes” e “take it” que inicia o álbum exemplifica isso muito bem. “i h8 u” é um take eletrônico robusto em que keiyaA esbanja ódio pelo seu proprietário e consequentemente sobre o sistema em que vivemos. A canção é intensa, propulsada por um ritmo que é obliterado logo em sequência por “stupid prizes”, que sacrifica a condução eletrônica da música anterior por uma produção mais esparsa, devota a música ambiente, seguindo o mesmo caminho experimental traçado por artistas como L’Rain e a já citada Solange. Esse contraste criado pela justaposição de sonoridades é brusco e efetivo, tornando as ideias líricas de keiyaA pungentes: “Tell me / How I'm supposed to thrive / When all I’ve known is to survive”. Os vocais intensos em cima de sua composição melancólica novamente são cortados de forma abrupta pela canção seguinte, “take it”, que é tomada por uma levada percussiva forte, keiyaA nos passa um recado: a vida nos anos 2020 não se trata apenas de ódio e sofrimento. A artista abre espaço para o romance e o sexo abraçando também o hedonismo que vem com isso.

A variedade musical que permeia hooke’s law também funciona como uma grande demonstração das habilidades de produção da artista. Canções como “until we meet again” já haviam sido disponibilizadas pelo pseudônimo dj cowriiie em sua mixtape Rage Tape, mas impressiona principalmente como o álbum é fluido da mesma forma que desliza entre diferentes gêneros. A seção que se inicia em “think about it/what u think” coloca em evidência uma abordagem mais voltada a hi-hats característicos do trap/hip hop, e conforme vamos prosseguindo, composições impressionantes como “this time” carrega elementos eletrônicos característicos do IDM de maneira proeminente, agindo em sintonia com os beats 808s e construindo uma ambientação sonora bem singular.

A anteriormente citada “take it” é um grande destaque nesse quesito. A faixa faz uso do beat switch em seu epicentro, nos tirando abruptamente duma ambientação nu jazz à la Squarepusher e nos coloca num ritmo eletrônico mais acelerado. “fire sign oath” carrega o álbum ainda mais pra frente com essas experimentações eletrônicas, cuja produção drum ‘n’ bass luta para se colocar em evidência frente a performance vocal da artista, no que resume bem o álbum pra mim: keiyaA se apresenta como o ponto focal que domina todo o espaço musical construído nos 52 minutos de hooke’s law. Ela nos convida para o universo dela, e, admito, tem sido muito difícil sair dele.

Selo: XL Recordings
Formato: LP
Gênero: R&B / Eletrônica
João Pedro Leopoldino

Interessado principalmente em música, filme e literatura. Sou graduado em Administração e natural de Fortaleza/CE. Além do aquele tuím, escrevo no meu substack pessoal chamado "falando em línguas".

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