“Acrilirico”, a música mais importante de Caetano Veloso e Rogério Duprat

Neste texto, recordaremos como a canção "Acrilirico", lançada em 1969, se tornou uma das peças mais influentes de Caetano Veloso.

O destaque conceitual na poesia de “Acrilirico”, e no arranjo de Rogério Duprat, foram a resposta à bossa nova e a abertura para uma nova forma na música brasileira.

Na ocasião, pré-exílio de Londres, durante o período de prisão domiciliar, em 1969, Caetano Veloso gravou seu segundo disco, que trazia o próprio nome na capa. O álbum conta com arranjos de Rogério Duprat e composições famosas como "Irene", "Lost in Paradise" e "Não Identificado". Apresenta, principalmente, uma elevação conceitual na carreira de Caetano, se no trabalho anterior, ele apresentava uma coerência com as ideias tropicalistas, neste, algumas rupturas importantes são vistas. Em especial, a música “Acrilírico”.

Se considerarmos a lógica dos tropicalistas em relação à música moderna, seu progresso não foi linear. Nenhum deles queria continuar ou expandir os conceitos da bossa nova, era tudo sobre o retorno à brasilidade festeira, à Carmen Miranda, ao Carnaval, a tudo que fazia do Brasil, o Brasil. Toda essa forma pode ser conferida no genial curta-metragem: “Brasil” de Rogério Sganzerla, onde todas as referências da Bossa (João Gilberto, Vargas) e da Tropicália (Caetano, Bethânia, Gil) se unem para formar uma modernidade estética e musical unida.

Mas é óbvio que esse filme foi feito nos anos 80, quando não importava se bossa era bossa, e quando a tropicália parecia mais um movimento distante do que a realidade musical do país naquela época. A questão é que, em 1969, ainda era evidente a necessidade de mostrar essa descontinuidade com a bossa, mas ainda reclamar seu espaço como parte do movimento modernista na música brasileira. É daí que vem o rompimento de Caetano com esse modelo, quando ele e Duprat, o maior arranjador dos tropicalistas, resolveram levar a estética tropicalista adiante.

Ao falar sobre “Acrilirico” é necessário primeiramente deixar claro que essa foi, provavelmente, de acordo com o próprio Caetano, a única poesia que ele escreveu sem a vontade inicial de se tornar canção. Entre o consumido e o consumado, o contracampo do Cinemascope, o cantor encontra por meio da spoken word uma forma de colocar todas essas palavras, sem precisar de uma melodia, para conversarem entre si muito mais sonoramente do que formalmente, o que é, por si só, extremamente radical. “O acrílico era uma coisa muito nova na época”, diz Caetano Veloso sobre a composição.

Com isso, é possível comentar que: muito se fala sobre os aspectos joyceanos em “Acrilirico”, algo que, faz muito sentido. Tanto do ponto de vista do fluxo de consciência (não há música que pareça se encaixar com outra sem ser pelo fluxo), tanto nas próprias junções de palavras (acrílico, grandicidade), quanto na própria radicalidade do texto em si. Caetano, porém, diz que não sabia dessa relação até que lhe disseram. Independentemente da forma como ele escreveu essa composição, joyceana ou não, o importante é o quão notável é a maneira como ele conseguiu levar a poesia e a música adiante no Brasil.

Por fim, os arranjos de Rogério Duprat não têm a menor preocupação de dialogar sonoramente com a poesia. Obviamente, não havia porque se preocupar com isso, o gênero de spoken word em si tira essa necessidade, porém, dentro do que havia de mais experimental no restante desse disco, nada chegava tão longe. Isso porque, além do instrumental ser tão dissonante e abstrato em sua forma, ainda demonstrava uma carga dramática muito compatível, e ao mesmo tempo, muito irônica da situação social de Caetano em seu momento de confinamento.

“Acrilirico” é uma das canções mais importantes do experimentalismo nacional, vai muito além de qualquer simples rejeição à bossa, e ampliou, de vez, todas as possibilidades da música brasileira. Tom Zé, Arrigo Barnabé, Walter Franco, entre outros grandes nomes da música contemporânea brasileira, já disseram que foram influenciados diretamente por essa música. Vai continuar sempre um dos pilares da música nacional e mundial — certamente um dos maiores momentos criativos de Caetano Veloso.
Tiago Araujo

Graduando em História. Gosto de música, cinema, filosofia e tudo que está no meio. Sou editor da Aquele Tuim e faço parte das curadorias Experimental, Eletrônica, Funk e Jazz.

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