Clássicos do Aquele Tuim | Crying over pros for no reason (2004)



★★★★★
5/5

Essencialmente, no começo dos anos 2000, a música eletrônica começou a se consolidar ao estado que conhecemos atualmente. Claro, muitas, inúmeras manifestações novas surgiram desde então, mas a padronização da música eletrônica e as maneiras de criar arte dentro dela já estão sólidas há quase duas décadas. Pop eletrônico já era o padrão, música ambiente já tinha todas as suas bases formadas — além da grande maioria dos discos notáveis do gênero —, a música EDM já tinha formado um cenário underground robusto, especialmente no Reino Unido, e, com o pop, passava a se manifestar cada vez mais presente no cotidiano.

Note, porém, que não falei que ela (música eletrônica) estava consolidada por completo. Justamente por estar em tantos lugares e estar, ainda, maleável como magma, as possibilidades para quem quisesse explorar as interseções entre tais espaços eram infinitas. Os discos eletrônicos que mais me fascinam nessa época, os que mais amo e ouviria até não aguentar mais, são os que brincam e moldam as várias casinhas em que esse tipo de música estava alojada. É uma época e estilo que tem alguns de meus projetos favoritos, como Discovery, de Daft Punk, que é tanto pop quanto transgressor, e Ultravisitor, de Squarepusher, que é um faz de conta entre a música ambiente, os clubes underground e o fator único do jazz.

Existem inúmeros outros que eu poderia citar, inclusive incluindo os discos de gêneros que originaram da música eletrônica, como Madvillainy e Boladona, apenas para engrandecer o fato de que, maravilhosamente, Crying over pros for no reason é quase uma junção de tudo isso. ediT, produtor californiano, estava completamente imerso tanto na cultura do hip hop quanto na da eletrônica — algo muito comum à época nos Estados Unidos, que originou intercâmbios e universos culturais incríveis, além de nos proporcionar o melhor de ambos mundos —, tocando alguns DJ sets de drum and bass aqui e ali, satisfazendo horários e, o mais importante, se divertindo e aprendendo. Contudo, tudo mudou quando entrou em contato com a música de Aphex Twin e Boards of Canada, ali, ele compreendeu que precisava decifrar e reprogramar aquelas insanidades sonoras, mas à sua maneira.

Mais que tudo, o disco é um encontro de trilhas. Inicialmente, seriam apenas ritmos de hip hop e drum and bass acompanhados de melodias da música ambiente, mas ediT queria ir além, e muito. A primeira decisão de ruptura vem com o uso de instrumentos doces e gentis em um tom melancólico de acompanhamento, como o violão, a guitarra e o piano. Porém, a segunda é a mais óbvia característica do álbum: o constante processo de destruição e reconstrução das melodias. Por meio de processamentos de glitch pautados na música eletroacústica e altamente computadorizada, o óbvio é jogado para fora da janela e a subjetividade completa entra como um sutil redemoinho.

Com as frequências baixas inteiramente intactas, a manipulação semi-fatal da orgânica doçura instrumental tem um quê de sensível que só é possível de se encontrar nesse tipo de música. É indescritível a sensação de ouvir e fitar as melodias delicadas e tristonhas através das camadas de barulhos suaves, estas que formam paredes de som esburacadas. As oposições são tão gritantes — orgânico e o tecnológico com o suave e o rabisco — que deixam de serem oposições e viram expansão, tornam-se uma só coisa: um significado abrangente de paz na melancolia e calma no cotidiano.

Crying over pros for no reason é tocante ao extremo, chega a ser revoltante o quão emocional ele consegue ser. Era algo que eu sempre senti, até que de forma alarmantemente profunda, mas foi só quando vi um conhecido dizer que foi feito como um disco de término — pelo visto, o “pros” no título é alguma gíria ou analogia sobre mulheres — que fez mais sentido. Mas é claro, a finura e estado de debilitação das guitarras e sintetizadores lisos são a forma de expressão da vulnerabilidade de ediT, e os glitches são os obstáculos tensos que uma vida pós-término apresenta.

Sim, meio (muito) bobo, eu sei, mas depois de ter tentado encontrar significado num projeto que parece tão destruído, que parece ter sido feito para causar um conforto através da empatia, e ter tido uma conclusão sentimental idêntica ao do artista, me faz pensar que realmente tem algo de extremamente especial no álbum. Me faz querer achar um sentido na vida, me faz querer amar e/ou sofrer, aproveitar a paisagem nesse abismo de cores. Espero que, caso ouçam, consigam sentir o mesmo.

Selo: Planet Mu
Formato: LP
Gênero: Eletrônica / Glitch Hop, IDM, Folktronica
Sophi

Sophia, 18 anos, estudante e redatora no Aquele Tuim, em que faço parte das curadorias de Rap e Hip Hop e Experimental/Eletrônica e Funk.

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