Classificação AT | Trip Hop

Explore o gênero britânico que pariu "Hyperballad", de Björk, e "Clint Eastwood", de Gorillaz.

De onde o Trip Hop surgiu?

A cultura britânica no começo dos anos 90 teve um momento de explosão cultural de cair o queixo. Claro, no rock tínhamos o grunge de Nirvana e o futuro-revivalismo desenfreado de Primal Scream, mas, antes disso, o reino unido recebeu o famigerado “britcore” (gangsta rap britânico) de Hijack, que revitalizou e radicalizou tanto o rap underground britânico — que, vale notar, já tinha grande influência na música britânica — quanto a música das raves de lá.

Quiçá, não havia nada mais animador naquela época que a inserção líquida do rap em espaços da música eletrônica — um retorno adequado de um filho à casa de sua mãe. Antes e durante, os clubes esbanjaram-se no borbulhante suco do dub com os soundsystems e, como graciosos selvagens, rasgaram a carne do soul, ora sujos, ora sedosos. Em Bristol, tal poção complexa deu origem ao etéreo, contraditório Trip Hop.

Dizia-se que foi uma reação ao “rap bruto, revoltado”, na mídia britânica foi “uma interpretação mais educada do hip hop” — claro, os artistas não queriam essa imagem, não eram bobos, sabiam exatamente de quem estavam tomando suas referências. Assim, a eletrônica ecleticidade de Massive Attack e o jazz setentista quase-rock de Portishead surgiram.

The Wild Bunch, em 1984, grupo de soundsystem que viria a se tornar o Massive Attack
The Wild Bunch, em 1984, grupo de soundsystem que viria a se tornar o Massive Attack.

Como o Trip Hop soa?

O Trip Hop é um gênero de música eletrônica bem fora da curva. É eletrônica pelas técnicas empregadas e por ser a língua em comum de todos os outros gêneros que o formam, mas também é tudo, exceto, eletrônica. Mesmo que tenha a opinião de que hip hop é um tipo de música eletrônica, o gênero vai, também, muito além dele; sua vastidão se encontra em uma colcha de retalhos afrodiaspórica.

Dub? Sim, incluindo neopsicodelismos (verá isso de forma mais acentuada em Massive Attack). Soul? Com certeza! Os DJs ouviram tanto seus samples que, além de utilizá-los, quiseram resgatar suas referências de forma mais literal. Jazz? Claro! Além do acid jazz — que compartilha semelhanças gritantes com o Trip Hop, por mais que soem bem diferentes um do outro —, o Trip Hop é o outro estilo eletrônico noventista e britânico que resgata, de alguma forma, o jazz (verá isso de forma mais acentuada em Portishead).

Contudo, mais que uma linha histórica coerente, um contexto cultural específico, derivado de uma tradição, origem de outra, como identificar o Trip Hop? Em síntese, seu aspecto mais marcante é a bateria: grossa, pesada, de frequências baixas tão demarcadas que, comumente, rouba e/ou substitui o espaço de um possível baixo. Além disso, seu ritmo, na maioria das vezes, é mais lento que o do hip hop, de breaks vagarosos.

Todavia, não é só de bateria que o gênero existe. Ele é, inclusive, de fácil detecção através de vocais influenciados por vocal jazz e/ou cool jazz e soul dos anos 60 à 80; o que, claramente, engloba uma grande variedade de referências. Predominantemente femininos, esses vocais são leves, delicados, arejados, ocasionalmente destrutivos, contudo mais conformistas. De resto, o gênero pode apresentar samples de soul, composições de órgão complexas, saxofones de post-bop, melodias sintéticas de breakbeat hardcore, guitarras de dub, o que quiser imaginar; é uma bagunça, afinal!

Portishead, em 2011, performando ao vivo três anos e meio após o sucesso de Third.

Comentário:

Amo o Trip Hop por vários motivos, mas, em especial, por ser uma balança em constante desequilíbrio entre o fraco e o pesado, o formoso e o letárgico. Poucas coisas na música se comparam ao prazer de um vocal de soul bem cantado — feminino, preferencialmente —, levemente acima de densos break-hops. Ouvir Dummy me ajudou a entender todo tipo de música; eletrônica, hip hop, jazz, soul, rock… tudo. Espero que, caso não tenha escutado o álbum ainda, o faça e se encante com esse gênero maravilhoso. — Sophi

Indicações:


“In / Flux”
DJ Shadow

Para sentir a desnuda, peluda carne do Trip Hop em teu peito, para raspar as micro serras de tua língua nas sinapses de quem criou o furdunço que inspirou o nome do gênero, ouça “In / Flux”.

Formato: Single
Ano: 1993





Blue Lines
Massive Attack

Para além de entender os momentos de gênese, do desenvolvimento embrionário do Trip Hop, para se encantar de verdade com sua proposta escaldante, ouça Blue Lines. Em seguida, caso queira, ouça o resto da discografia de Massive Attack e de Tricky, um de seus integrantes.

Formato: LP
Ano: 1991





Dummy
Portishead

Para compreender o gênero em movimento, para absorvê-lo em meio a um caldeirão de influências, conhecer sua forma fantasma e ainda arranjar um álbum para a vida toda, ouça Dummy. Em seguida, caso queira, ouça a discografia de Portishead.

Formato: LP
Ano: 1994





Lamb
Lamb

Para algo oblíquo, expansivo, alternativo, mais eletrônico, uma manifestação mais longínqua, mas ainda longe do “post-Trip Hop”, ouça Lamb. Em seguida, caso queira, se aventure por A New Stereophonic Sound Spectacular, de Hooverphonic, e pelos lançamentos da gravadora Ninja Tune.

Formato: LP
Ano: 1996





a.s.o.
a.s.o.

Para uma interação nova do Trip Hop em tempos atuais, em tempos em que tudo é possível, para algo inédito, finalmente, ouça a.s.o.

Formato: LP
Ano: 2023
Sophi

Sophia, 18 anos, estudante e redatora no Aquele Tuim, em que faço parte das curadorias de Rap e Hip Hop e Experimental/Eletrônica e Funk.

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