Crítica | Reasonable Woman


★☆☆☆☆
1/5

Quem acompanhou pelo menos um pouquinho da música mainstream na década de 2010, deverá se lembrar que naquela época Sia era um grande nome na indústria musical. Ela obteve grande sucesso em seu trabalho como artista principal a partir de 2014, com faixas que traziam videoclipes protagonizados pela dançarina infantil Maddie Ziegler. Sia quase nunca aparecia nas gravações, criando uma aura misteriosa em torno de sua figura, que se tornou ainda mais forte conforme ela aparecia em público com uma peruca dividida simetricamente em duas cores diferentes, que cobria quase todo o seu rosto — imagem que se tornou a grande identidade artística da australiana.

O principal prestígio do seu trabalho artístico deveu-se ao fato de ter sido reconhecida como uma das principais compositoras da música pop da última década. As letras de Sia não eram extremamente complexas, mas ela chamava a atenção por conseguir construir com facilidade músicas que, ao mesmo tempo que executavam muito bem o aspecto cativante essencial do pop, também conseguiam transmitir sensações diversas. “Pretty Hurts”, de Beyoncé, emocionou muitos, e “Try Everything”, de Shakira, enviou uma mensagem de motivação ao público. “Boy Problems” de Carly Rae Jepsen é uma das minhas letras favoritas. A faixa pode não ter um significado tão forte quanto a presente no autointitulado disco de Beyoncé, por exemplo, mas acho que representa muito bem o talento que Sia tinha para compor músicas pop simples, mas tentadoras. É uma letra divertida em que a canadense dá conselhos a um amigo sobre como lidar com “problemas com o boy”, cantada em melodias contagiantes captaram bem o cenário de uma conversa entre dois amigos sobre os namorados e que, no contexto do dance-pop, que não exige lirismo muito elaborado, seu aspecto descomplicado cai muito bem.

Apesar de ter construído um nome forte na última década, Sia tem vivido recentemente um declínio, não só artístico, mas também na sua imagem pública, o que é extremamente deprimente. O seu projeto anterior a esse foi o filme Music, alinhado à sua trilha sonora. Nele, ela buscou estudar o autismo para criar obras que representassem a experiência neuroatípica, porém, o longa trouxe não apenas estereótipos desrespeitosos, mas na verdade perigosos para a segurança dessas pessoas. É uma obra repleta de cenas que mostram o grande despreparo em abordar esse tema, e para piorar, nas redes sociais, ela fez diversos comentários infelizes de cunho capacitista. Se tudo isso não bastasse, a parte musical também era detestável. Vocais estridentes em músicas de caráter infantil que soam insuportavelmente ridículas, além de composições desprezíveis que marcaram tanto a sonoridade quanto a igualmente desprezível produção cinematográfica.

Reasonable Woman é mais um passo no declínio artístico da cantora. Algo que acho interessante destacar neste aspecto é que, desde que alcançou grande fama em 2014, seu trabalho foi piorando cada vez mais devido a marcas que antes faziam seus projetos se destacarem, sendo apresentados de forma cada vez mais genérica e, desta forma, perdendo o mínimo de atratividade que tinha. Em This Is Acting, álbum que se seguiu a 1000 Forms Of Fear, esse agravamento artístico já era perceptível, embora o resultado ainda fosse palatável. Agora, em 2024, sua música se encontra no nível mais baixo de qualidade.

As primeiras duas faixas abrem o disco de maneira que consegue representar o quão terrível é o conteúdo apresentado em sua extensão: produção que abusa de elementos eletrônicos para criar uma energia imponente e épica, que se posiciona justamente à forte atuação da artista, que tenta trazer um aspecto motivacional, característica marcante em diversas de suas músicas — pense em “Unstoppable” ou “The Greatest”, por exemplo. O resultado é uma bagunça completa, criada por alguém em fase de intensa crise artística. Somente “Champion” consegue ser pior que essa abertura. Ao contrário de “Little Wing” e “Immortal Queen”, que erram por terem ideias que soam péssimas juntas, mas não são ruins separadamente, tudo o que é criado aqui, desde as melodias até a instrumentação, é apenas de extremo mau gosto.

"I Had A Heart" remete a baladas pop-soul com uma performance que busca trazer, novamente, uma veia emocional que marcou diversas canções de Sia no passado. Tem uma boa construção para o refrão, em que os vocais, que tentam soar fortes, são absurdamente estridentes. “I Forgive You” é uma música de andamento lento que é muito difícil de ouvir devido à posição completamente enjoativa que se encontra, dando a impressão de que ela está gritando no seu ouvido e não há nada aqui que torne esse tipo de entrega interessante. “One Night” segue a mesma sonoridade presente em um de seus maiores sucessos, “Cheap Thrills”: o dancehall. Nesta faixa, as melodias insuportavelmente irritantes são o seu principal erro.

Entre tantas faixas péssimas, há algumas que conseguem apresentar uma qualidade pelo menos razoavelmente boa. “Dance Alone”, assim como outras músicas do álbum, tenta resgatar um som que ela já havia feito anteriormente e teve bons resultados, ao mesmo tempo em que tenta aderir a uma tendência da indústria musical, mesmo que tardia: neste caso, a música disco, que influenciou fortemente We Are Born, de 2011. A atuação da convidada Kylie Minogue é brilhante e a produção nu-disco é genérica, mas divertida. Os problemas permanecem no seu gancho repetitivo, que não consegue soar cativante. “Incredible” opera com percussão e sintetizadores future-bass excelentemente posicionados, além dos vocais de Labrinth, que são apaixonantes por si só. Isso lembra o projeto LSD e, portanto, é a única vez em que Reasonable Woman consegue apresentar, com certa qualidade, alguma abordagem sonora feita em obras mais antigas de Sia.

Apesar de alguns bons momentos, algo que é possível observar ao longo das faixas é que Sia nunca se destaca nelas. A produção é intrigante e a atuação de seus convidados é muito boa, mas a cantora é coadjuvante em seu próprio trabalho. O estado de decadência artística é tão forte que mesmo quando seu trabalho dá frutos, ela não é o destaque. A única exceção é “Rock and Balloon”, com sua visão apaixonada e ardente. Fora isso, o álbum é marcado por escolhas sonoras ridículas e pelos péssimos vocais que mostram como cada vez mais a voz de Sia vai perdendo o brilho e ficando estridente, demonstrando o quão deplorável é o nível artístico que ela se encontra.

Selo: Atlantic
Formato: LP
Gênero: Pop / Alt-Pop, Eletropop
Davi Bittencourt

Davi Bittencourt, nascido na capital do Rio de Janeiro em 2006, estudante de direito, contribuo como redator para os sites Aquele Tuim e SoundX. No Aquele Tuim, faço parte das curadorias de Música do Leste e Sudeste Asiático, Pop e R&B.

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