
★★★☆☆
3/5
Se tivesse que comparar o sertanejo com algum estilo ou gênero musical, seria com o k-pop. Essa não é uma comparação ligada diretamente ao som ou à estética de ambos, mas sim ao aspecto demográfico, à forma como seus artistas e produtos são gerados e à hegemonia que paira sobre eles enquanto gêneros moldados por uma lógica comercial ferozmente calculada. São criações milimetricamente pensadas, com narrativas controladas e uma performance que serve tanto à música quanto à imagem e que, apesar de tudo isso, sabem como fazer boas investidas naquilo a que se propõem.
Foi com base nesse modelo que Ana Castela surgiu e logo conquistou um espaço imenso no cenário nacional, não necessariamente por ser uma figura que viesse alterar os rumos da música agro, mas porque soube usar, de forma estratégica, elementos do pop e até mesmo do funk para ecoar ainda mais nas rádios e programas de TV. Sua rápida ascensão expressa, sobretudo, como o capitalismo se revela em cada camada, tornando k-pop e sertanejo estilos profundamente fabricados )ou “pós-tiços”), construídos para funcionar e servir como cases de sucesso, uma mercadoria reprodutível por excelência.
É nesse cenário que a estreia de Ana Castela com Let’s Go Rodeo faz sentido. O disco mira nos elementos mais populares do sertanejo e acerta, sobretudo no sertanejo universitário, que destituiu os signos da música caipira em favor de uma maior aproximação com o country norte-americano. Mas talvez o maior acerto esteja no que ela acrescenta: há influências diretas do pop nas harmonias, refrões e arranjos, que apontam para uma guinada artística, algo novo em sua proposta.
O mais interessante, ou não, é que, quando Ana Castela anunciou que faria essa mudança e abraçaria o pop de vez, recebeu muitas críticas vindas do próprio universo sertanejo. O resultado aqui, porém, constrói um movimento similar ao que o k-pop realiza com o pop ocidental, especialmente o americano: se apropria de seus símbolos e sons, os mescla com aquilo que consegue oferecer a curto prazo. Não surpreende que Let’s Go Rodeo tente replicar de maneira escancarada algo que Taylor Swift faria – quando “Rodeio no Texas” começa, somos levados diretamente a “Love Story” – antes mesmo da própria Taylor migrar totalmente para o pop (apesar de sempre ter pertencido a ele, seu som carregava um quê de country evidente).
Seus temas orbitam o amor inocente – uma necessidade comercial, dada a grande base de fãs infantis – e são de digestão fácil. É possível perceber que cada faixa é moldada para o consumo rápido (o álbum completo tem menos de 25 minutos, como acontece com muitos ‘full albums’ no k-pop), com uma engenharia voltada à reprodutibilidade. Além disso, há uma guinada evidente para o country pop, com banjos, violões e uma série de melodias reminiscentes do gênero nas décadas de 2000 e 2010.
Na sequência de abertura, “Olha Onde Eu Tô” e “Tropa do Chapelão”, que marca o pior momento do disco, Ana Castela perde as estribeiras ao tentar imprimir sua ida à la Taylor Swift ao pop, algo que a loira fez inclusive com o uso de tons da música eletrônica, para se distanciar do dito tradicionalismo. Aqui, Ana o faz com o apoio de Diplo na segunda faixa. O resultado é desastroso e, curiosamente, revela outra semelhança com o k-pop: quando as referências deixam de ser orientativas e se tornam literais, com a diferença idiomática e o desencaixe cultural evidenciando um atrito que não se resolve.
A esta altura, você, leitor, pode ter a impressão de que apontei mais defeitos do que qualidades. E de fato, é. Há quem jamais vá se curvar a essa bobagem; a esse disco que opera sob toda a lógica anteriormente descrita. Mas essa é justamente a proposta: colocar os clichês dos gêneros em conversa, alinhados ao desejo de mudança de uma artista já muito bem posicionada. E é nessa tensão entre a diversão e a seriedade do ato de se lançar que reside a mágica de Let’s Go Rodeo. Ana Castela não teme desagradar os dois lados (sertanejo e pop) em busca de algo que, querendo ou não, não se compara a nada que esteja sendo feito por aqui. É por isso que o álbum é bem-sucedido dentro da métrica que ela mesma criou.
Pode até haver uma vergonha oculta por trás de tudo isso, mas o quanto o produto final se mostra relacionável é o que o torna interessante. Ana Castela parece não querer ser rotulada, mesmo criando um som que permite classificações fáceis. Ela só quer tocar essas coisas bobas que criou, como se seu compromisso começasse justamente a partir daí. E isso basta. Porque, ao contrário de nomes do pop nacional como Jão, Luísa Sonza e até mesmo Anitta, há uma boa razão por trás de tudo que ela faz aqui e, por mais estranho, literal ou genérico que seja, nada soa forçado porque é quase instintivo, assim como vemos no k-pop.
Selo: AgroPlay Music
Formato: LP
Gênero: Pop / Sertanejo