
Com música, aliança e ancestralidade, o festival chega para abrir caminhos à valorização da periferia e dos artistas independentes da cena musical alagoana.
O cenário musical alagoano vive uma fase de safra fértil. De bandas independentes que lotam casas de shows ao surgimento de novos nomes no pop e na MPB, passando pelo papel fundamental do Festival Carambola na revitalização e valorização da cultura local, a cena independente do estado tem ganhado cada vez mais espaço. No entanto, o grande epicentro de shows e eventos culturais ainda se concentra na parte baixa de Maceió – região nobre da capital –, o que, muitas vezes, centraliza o público em torno de uma parcela mais privilegiada da cidade. Isso acaba dificultando o acesso de moradores de regiões periféricas e mais distantes, especialmente pela falta de transporte que os conecte a esses espaços.
O Festival Orgulho na Quebrada nasce da necessidade de valorizar a periferia alagoana como espaço de promoção e consumo cultura – seja na música, na poesia, no artesanato ou nas artes visuais –, com foco em artistas negros, LGBTQIAPN+ e criados nas quebradas de Maceió. A escolha do Jacintinho como sede da primeira edição não é por acaso: trata-se de um bairro periférico com forte presença de comércios locais e nacionais, além de iniciativas artísticas consolidadas, como slams e batalhas de rap que ocupam regularmente as praças da região.
Eu espero que, para além da resistência, esse festival cause impactos que possam trazer novas perspectivas, novos olhares sobre quem somos, sem importar nossa orientação sexual e nossa raça. - Flor Mands, atração do festival.

O festival contou com uma feira de artesanato, trancistas, cabeleireiros e brechós, com o objetivo de impulsionar o mercado artesanal do bairro. Entre as cabines, algumas eram lideradas por pessoas LGBTQIAPN+ e mães de integrantes da comunidade, cujos produtos tinham como foco a ancestralidade negra e a valorização da cultura alagoana.

Maju Shanii
Com 10 anos de carreira no transformismo e 8 na música, Maju Shanii, a primeira drag queen cantora de Alagoas, é uma popstar local que merece reconhecimento nacional. Seu show é uma catarse: é impossível ficar parado ao vê-la dançar com seus dois bailarinos, e seu profissionalismo diante de imprevistos é encantador. As músicas de Maju são eletrizantes, do EP Número 1 a clássicos da sua discografia, como “Salto 15”, tudo emana poder, elegância e a energia de uma balada pulsante em um set inesquecível. Sem dúvidas, um dos maiores destaques da noite.

Em meio às apresentações do festival, Jade Zolita cativava pelo carisma, pela sensualidade e pelo senso de humor afiado. Suas músicas, com inspiração no pop rock, carregavam histórias sobre amor, perseverança e, é claro, animação. O público cantou junto com Jade, que, visivelmente emocionada, homenageou no palco seus amigos, sua família e a comunidade drag de Alagoas. Aliada à ascensão da música LGBTQIAPN+ em Maceió, Jade desponta como um potencial sucesso no mainstream da cidade das águas. É um início de carreira marcante.

Pérolla Negra
Pérolla é uma força; uma joia rara de um brilhantismo sem igual. Sua poesia, dita em um tom que arrepiava os braços, relatava com intensidade sua infância, a busca por autoconhecimento, os obstáculos impostos pela religião e pela família, até culminar na dádiva da divina travestilidade. A apresentação foi carregada de emoção, aplausos e potência; todos estavam atentos à presença marcante da artista no palco. Foi lindo.
Pérolla é uma força; uma joia rara de um brilhantismo sem igual. Sua poesia, dita em um tom que arrepiava os braços, relatava com intensidade sua infância, a busca por autoconhecimento, os obstáculos impostos pela religião e pela família, até culminar na dádiva da divina travestilidade. A apresentação foi carregada de emoção, aplausos e potência; todos estavam atentos à presença marcante da artista no palco. Foi lindo.
É um lugar sensível, é uma sensação vibrante dentro de mim, não só por mim, mas por todas que vieram antes para que eu pudesse estar numa praça sendo aplaudida por uma plateia tão diversa. É uma honra estar participando da primeira edição. - Pérolla Negra Brasil, Atração do festival Orgulho Na Quebrada.
A primeira edição do festival Orgulho na Quebrada ressalta a urgência da contribuição dos órgãos públicos municipais para o investimento na classe artística local. Verbas da prefeitura de Maceió, que normalmente seriam destinadas a megaeventos com pouca representatividade regional, foram redirecionadas para este projeto. Com o apoio de instituições como o Ministério da Cultura, o festival reafirma a importância da valorização da arte produzida no estado, mostrando que, mais do que incluir, debater igualdade – pauta muitas vezes tratada de forma superficial, especialmente agora, no chamado mês do orgulho – é preciso traçar um planejamento, contar com o apoio da comunidade, oferecer caminhos e, sobretudo, gerar alternativas.
É preciso mostrar que há muito a ser pensado em prol das pessoas que, diariamente, têm seus direitos negados. A resistência, esse termo tão recorrente, surge desse contexto que pude observar enquanto estava lá. É lindo, é emocionante, mas poderia ser ainda mais bonito e mais emocionante se existisse no cotidiano desses artistas, uma coisa essencial e que fosse duradoura chamada oportunidade.