Crítica | Something Beautiful


★★★★☆
4/5

Quando “Prelude + Something Beautiful” veio a público, já havia uma pista: Miley Cyrus finalmente estava mirando um ponto de maturidade que sempre parecia ao alcance, mas raramente plenamente realizado. A suspeita virou certeza – ainda que o caminho não fosse reto, o novo álbum é, sem dúvidas, o trabalho mais coerente e corajoso da artista em anos.

É curioso pensar que, com tantos elementos propensos ao desastre – interlúdios, colaborações inesperadas, mudanças abruptas de direção –, o disco tenha saído não apenas ileso, mas revitalizado. A proposta inicial, marcada pela carga emocional e estética de “Prelude” e “Something Beautiful”, prometia se debruçar de maneira profunda em um lugar introspectivo e entre o etéreo e o devastador. E embora esse álbum desvie desse norte em alguns momentos, as interludes além de sustentarem a narrativa, conseguiram reconstruir o sentido do disco como uma espécie de mapa emocional fragmentado; como quem muda de humor, mas ainda segue sendo a mesma pessoa.

Não tem como negar, a sonoridade se recusa a ser previsível e digo que este era meu maior medo, principalmente levando em consideração ao que vimos antes desse disco. O álbum se move entre o disco music revival de “End of The World”, com baixo pulsante e bateria marcada, numa celebração desesperada que transforma o fim em dança e momentos de vulnerabilidade com “More to Lose”, cuja produção desce ao mínimo para permitir que a voz de Miley entregue algo quase confessional.

E é essa oscilação entre controle e descontrole que dá força a obra. “Easy Lover” aparece feroz, como uma fera que ruge para não ser domada, sua instrumentação é inquieta, as transições são bruscas e a própria voz parece conter algo à beira de explodir. Já “Golden Burning Sun” faz o oposto: paira. É ensolarada sem ser banal, como uma confiança tranquila que brilha em meio à confusão. Mas o ponto de virada, o momento em que tudo parece colapsar para depois se reerguer de forma quase milagrosa, é “Walk Of Fame”. Em seus seis minutos, Cyrus e Brittany Howard entregam um verdadeiro épico: performático, dramático e doloroso. É uma faixa sobre a contradição de estar exposta e ainda assim profundamente só. A produção cresce aos poucos, explora silêncios, usa bem os espaços e não se apressa. Tudo nela é sobre peso, presença e permanência.

“Pretend You’re God” soa como uma oração invertida: não há fé no divino, mas há súplica, resignação, aceitação de que o outro é quem tem o poder de dar ou tirar tudo. A voz da artista aqui não implora, mas admite. É doloroso e direto. E então, quando aparece que não há mais para onde correr, “Every Girl You’ve Ever Loved” explode de maneira efervescente. É uma faixa que sabe o que quer, que se sabe desejável e desejante, e que dança entre força e sedução com precisão quase cruel. Seu ritmo é mecânico e dançante, com seções quebras de batidas cuidadosamente colocadas para criar efeitos dramáticos e poses.

É isso que torna o disco tão visceral: a recusa em se fixar (“Reborn”), em acomodar expectativas. Miley Cyrus abraça a instabilidade como motor criativo. Ela não parece querer agradar, mas sim criar um retrato das suas emoções (“Give Me Love”). E mesmo com pequenos tropeços, o resultado é surpreendente preciso. O álbum vai sobrevivendo às suas contradições a todo tempo que avança e ele as usa como combustível para algo maior. No fim, Something Beautiful funciona não por ser redondo, mas porque aceitar suas rachaduras. É um disco que tinha tudo para desabar, mas que decide dançar sobre os próprios escombros – e, contra todas expectativas, é belo.

Selo: Columbia Records
Formato: LP
Gênero: Pop rock

Brinatti

Cientista Social e Antropólogo, 28 anos, mestrando em Antropologia Social. Editor, redator e repórter no Aquele Tuim, com contribuições nas curadorias de Funk e Pop.

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