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Nada explica melhor o impacto do Basic Channel, ou de qualquer escola de música eletrônica dos anos 1990, do que a prática daquilo que, além de exposto, também foi teorizado por eles: a efetivação de uma linguagem adaptável, que se molda ao contexto narrativo pretendido. A sonoridade que defendiam nunca esteve e jamais estará limitada à experiência individual de quem a ouve. Em Marjaa: The Battle of the Hotels (Versions), essas notas práticas são traduzidas por uma conjuntura essencialmente social e política, na qual antigas ideias do dub são aplicadas ao que é novo e atual.
Aqui, Mayssa Jallad utiliza o que o estilo, ou pelo menos seu esqueleto, pode propor em termos de combustão para suas ideias que perpassam o cerne das transformações arquitetônicas ocorridas em contextos de guerra. O álbum, lançado originalmente em 2023, lança luz sobre um conflito ocorrido próximo ao início da Guerra Civil Libanesa. Hoje, porém, é possível expandir – graças às próprias composições instrumentais, que privilegiam o techno ambiente, com foco no ritmo e na construção de atmosferas – para o que se passa no Oriente Médio.
Se considerarmos que o álbum surgiu como uma tese sobre preservação histórica, abrangendo os impactos e traumas físicos de um conflito armado no século passado, cujos recursos tecnológicos de destruição eram menores e menos avançados comparados aos de hoje, a direção muda completamente se essa atenção for direcionada para Gaza, que recentemente teve 92% de seu território devastado pelo Estado nazi-sionista de Israel.
Nesse plano cartesiano da atualidade em que esse material se enquadra, somos condicionados a pensar, principalmente, nas incursões gélidas da sonoridade ampla, espaçada, e que replica uma espécie de distorção sombria que a estrutura do dub constrói. Em faixas como “Holiday Inn (January to March) (Version)”, é possível sentir a imensidão se abrindo lentamente diante dos nossos olhos. Os princípios que o Basic Channel costurou – minimalismo dançante, camadas sutis e design de som de ponta – também estão vivos aqui, especialmente no encerramento com “Kharita (Dub)”.
Há, o tempo todo, a sensação de que estamos aos poucos sendo penetrados pelo corte de tempo estabelecido entre o som, os vocais e as letras de Jallad. Essa combinação não só é rica em acrescentar sentido a esse relançamento, com uma diferença na composição de ritmos, como também nos imerge ainda mais nos contextos usados para sua criação. É um trabalho em conjunto, que expande sua temática e chama ainda mais atenção, seja para os traumas abordados, seja para a maneira como a música serve como pano de fundo para representações sociais e políticas.
Selo: Ruptured Records
Formato: LP
Gênero: Experimental / Ambient Dub, Ethereal Wave