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Definir o que é o funk é, no mínimo, complexo, especialmente porque esse é um gênero marcado pela experimentação — de forma quase ontológica — rasgada pela regionalizada daqueles que consomem e produzem. Além disso, seria uma loucura pensar o funk no singular, não somente pela sua relação regional, mas também porque o tempo muda como o funk é produzido, consumido e entendido na sociedade. É no meio desse universo, e pensando sobre ele, que a DJ Dayeh escolhe produzir o seu primeiro álbum intitulado Relíkias da Kond.
Relíkias da Kond é um projeto que mergulha, como o nome já sugere, na biblioteca de sucessos da gravadora Kondzilla. A proposta vai além de apenas relembrar: busca introduzir uma nova geração de ouvintes de funk a músicas que marcaram boa parte da década passada, ao mesmo tempo em que apresenta essas faixas sob uma nova roupagem. Trata-se de um resgate que retoma marcas sonoras já estabelecidas, agora inseridas numa versão atualizada do funk — mais agressiva, mais próxima da música eletrônica formal —, mas ainda guiada por líricas, rimas e beats que todo funkeiro reconhece de longe.
O projeto, contudo, não faz essa apresentação de maneira “seca”, simplesmente pegando as acapellas consagradas e colocando em um beat novo, muito pelo contrário, pois essa nova produção é incorporada a original, mantendo o sentimento que as músicas originais denotam ainda hoje na mesma medida em que o som é adaptado para tocar nos bailes atuais. É preciso dizer como Dayeh deixa claro a intencionalidade de realizar um movimento de “reaproximação” do funk, de forma mutual, ou seja, a mais bruxona ao mesmo tempo que está apresentando (ou reapresentando) um funk mais lento, ritmado e cantado para o público da bruxaria.
Por outro lado, Dayeh usa do familiar para fazer a bruxaria ser ouvida com mais atenção para um público que, cada vez mais, se distancia das ditas raízes funk (e isso inclui tanto o aspecto demográfico quanto estético, musical), fato esse que não passa só pela produção, mas também pela caneta de Bibi Drak, que brinca inclusive com a música resposta – um dos modismos sonoros mais marcantes para quem era jovem ou adolescente em 2010 e que atravessa vários gêneros. Ela, portanto, faz o ouvinte pensar nas mudanças do gênero e da realidade do funk e do funkeiro.
Essa capacidade de pensar o funk e das intenções por trás do álbum, talvez seja o maior trunfo da DJ Dayeh aqui. Que ela é boa enquanto DJ e produtora a gente já sabe, mas o que a gente tá vendo nesse material é a habilidade de desenvolver ideias pra além de mais uma coletânea de músicas. Relíkias da Kond é um álbum que funciona tanto pra ouvir sozinho com o fone e (re)descobrir essas músicas que fizeram parte de toda uma geração ao longo dos anos 2010, mas também poderia facilmente ser tocado na íntegra em um set na Submundo 808. Simplesmente porque o projeto foi idealizado e executado da melhor maneira, Dayeh consegue, nesse sentido, pensar no passado, apontando o futuro e escancarando as tensões do presente.
Selo: Hervolution
Formato: LP
Gênero: Funk / Bruxaria