Clássicos do Aquele Tuim | Kylie (1988)


★★★★★
5/5

Imagine alguém saindo direto de uma novela australiana para as pistas de dança do mundo inteiro. Com Kylie, seu álbum de estreia lançado em 1988, Kylie Minogue virou o próprio símbolo do pop fabricado — mas irresistível — da virada dos anos 80. Enquanto o mundo ainda dançava ao som de Madonna e Cyndi Lauper, Kylie apareceu com um disco que parecia ter sido feito sob medida para as boates e para o momento da música em ascensão. Aos olhos da crítica da época, era um produto de marketing: jovem, loira, sorridente, moldada pelos produtores como uma boneca pop de vitrine. Mas mesmo com um controle quase total da gravadora, Kylie não só estourou, como fundou ali a base do império pop que construiu nas décadas seguintes.

A primeira faixa do disco, “I Should Be So Lucky”, é o maior hit do álbum e sua sonoridade lembra imediatamente os hits da era de ouro do flashback: “Papa Don't Preach”, “Tell It to My Heart”, e “Point of No Return”. Sintetizadores, batidas quadradinhas e aquele refrão que não sai da cabeça — tudo soa como um compilado perfeito de 88. A faixa tem aquela energia doce de novela das seis, mas com uma produção que a torna dançante o suficiente para embalar as matinês LGBTQ+ que ferviam nos clubes da época.

Logo depois, “The Loco-Motion” — cover da década de 60 — entra com a missão de mostrar que Kylie sabia brincar com referências. A versão original de Little Eva virou um delírio eurodance nas mãos dela. O resultado? Um estouro internacional, e seu primeiro grande hit nos EUA. A produção é absurdamente datada, com vocais agudos e referências eletrônicas. Funciona como um exercício divertido de estilo: exagerada, nostálgica, mas certeira.

“Look My Way” é um ponto curioso e, para fãs de sample da era oitentista, um verdadeiro garimpo. A música carrega de ponta a ponta o DNA de “Rock Steady” do The Whispers, um dos grooves mais clássicos da década. E há quem ouça também ecos de “Der Kommissar”, da banda After The Fire, deslizando no arranjo. Não é só nostalgia, é quase um jogo de detetive musical — com pistas do quanto o cenário britânico dos anos 80 moldava o que se consumia no mainstream internacional.

Apesar de ser visto como um projeto “sem conceito” por parte da crítica mais exigente, o disco carrega um valor histórico e sonoro. A capa tem aquele ar estético late 80s, meio capa de revista de salão de beleza, e o disco inteiro soa como o figurino de um clipe do Bananarama — o que faz sentido, já que sonoramente elas bebiam da mesma fonte. Pode não parecer, mas o dance-pop automatizado que ela apresentava aqui se tornaria, nos anos seguintes, uma ponte direta com o público queer, que encontrou na Kylie uma musa de pista. É nesse ponto que se planta a sementinha do culto à diva pop que, anos depois, explodiria de vez com Fever (2001) — outro disco seminal, mas que já apontava para sonoridades mais sofisticadas.

Mesmo sem o controle criativo nas mãos, Kylie entrega aqui um retrato honesto e dançante do pop de vitrine oitentista. O que começou como um produto de gravadora, impulsionado por capas de revista, comerciais e a pós-fama de novela, virou base para uma das carreiras mais longevas e respeitadas do pop.

Selo: Mushroom Records
Formato: LP
Gênero: Pop / Dance-Pop, Bubblegum

Viviane Costa

Graduanda em Jornalismo, apaixonada por Música, Arte e Cultura. Integra a curadoria de Rap e Hip Hop do Aquele Tuim.

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