
3/5
A 30PRAUM é a melhor gravadora do trap brasileiro. Isso já foi uma frase polêmica, especialmente na época que o Matuê havia lançado Máquina do Tempo e o Teto fazia seus primeiros grandes hits em 2020 e 2021. Hoje, não há medo, ou vergonha nenhuma em dizer isso; é apenas um diagnóstico, de uma tendência de artistas que buscam uma relação honesta com a realização de um tipo de música que hoje, sem dúvidas, é mainstream, e que eles são talvez o próprio expoente mais mainstream do gênero. A respeito da Nadamal, tem seguido um espaço semelhante, e buscando uma outra forma de relação com o trap.
O que me parece óbvio a partir disso é imaginar que exista uma fórmula bem clara do que seguir, afinal, quando você está no topo da cadeia alimentar, basta seguir o que está consolidado e tomar cuidado para não morrer. O que não é o caso, sempre houve uma conexão muito específica — desde o Máquina do Tempo — da gravadora com a neo-psicodelia. Não aquela que define os álbuns do Animal Collective e Panda Bear, nem aquela que viralizou ano passado com Imaginal Disk, mas um outro estilo, que está para o rap na relação em que podemos definir Travis Scott enquanto um expoente da neo-psicodelia (e sim, isso é possível).
Então não é como se fosse particularmente assustador se relacionar com trap dessa forma, mas é certamente contraintuitivo, em um país que sempre definiu sua relação com hip hop a partir do potencial poético das letras. E claro, esse foi um dos grandes motivos pelo qual aquela frase do começo do texto, até um ano atrás, era extremamente polêmica. Sim, isso aconteceu com outros artistas no trap brasileiro — Raffa Moreira que o diga —, mas insistir numa forma contraintuitiva de musicalidade, para o que é considerado dentro dos “entendidos” (crítica e “público especializado”) do gênero é um posicionamento muito sólido.
E é assim que chegamos na mixtape ISSO É TRAP de Brandão85. Já não é novidade, portanto que esse é o lançamento de trap que se espera da 30PRAUM, com algumas formas ainda mais interessantes e que empurram alguns formalismos ainda mais pra frente. O abuso de sintetizadores em beats de trap são uma característica que eu utilizaria para defender a existência de uma neo-psicodelia própria do gênero, e aqui não é apenas notável que acontece mais uma vez, mas há um uso antinatural de sintetizadores nessa tendência. Normalmente usados para complementar, ou criar uma melodia, aqui por vezes eles marcam o tempo (“100% MOLHO”), operam como elemento dissonante (“TUDO BEM”), ou surgem para meramente ambientar a música (“SONHOS”).
Escolho destacar, entre as várias características distintas no instrumental dessa mixtape, o uso de sintetizadores, porque pra quem tem alguma conexão com artistas do trap gringo, não vão deixar passar batido o quanto isso remonta o que é feito hoje dentro do rage e do tread. É óbvio, no álbum está explicitamente creditado o artista BNYX®, que produz, entre vários artistas, para o rapper de rage Yeat — certamente um artista que se relaciona com essa ideia de ser mainstream, mas ser regularmente contraintuitivo. Porém o foco da argumentação desse texto não é falar que eles fazem um rage tão bom quanto o gringo, ou sequer dizer que necessariamente o que eles fazem é rage ou tread (apesar da influência, passa longe de ser algo realizado no álbum). A intenção é mostrar que, mesmo para um grupo de artistas consolidados dentro de uma forma comercial e de gênero, prevalecem as inovações de explorar outras faces da produção desse tipo de música.
ISSO É TRAP é um dos melhores lançamentos dentro do trap nacional, não apenas do ano, mas de toda a história do gênero. E, se isso é possível, tem muito mais a ver com a competência dos artistas envolvidos de não se assentarem numa zona de conforto do que qualquer outra coisa. Por isso a 30PRAUM hoje é, sem dúvidas, a melhor gravadora de trap brasileiro.
Selo: 30PRAUM, Nadamal
Formato: Mixtape
Gênero: Hip Hop / Trap, Neo-psicodelia