Crítica | O Terror Voltou


★★★☆☆
3/5

A abordagem na construção de uma atmosfera sombria é algo bastante presente na cena do funk. O principal exemplo é no cenário paulista, com a presença do beat bruxaria, que inclusive, esteticamente, seguindo o que o nome do gênero sugere, adota o imaginário da bruxaria por muitos artistas da cena. Apesar disso, artistas de outras partes do país também incorporam às suas produções um tom similar, nesse sentido, O Terror Voltou, de DJ JV de Vila Velha, parece dialogar com seu título e arte visual, tomado por uma sensação temorosa, dentro da produção musical, aqui apresentada dentro do contexto do beat fino, vertente característica do estado onde o artista se situa, Espírito Santo.

As batidas com um som agudo e metálico que trazem uma textura estridente — no bom sentido —, aqui estão sobrepostas geralmente por elementos eletrônicos sombrios e que trazem uma estranheza — as vezes que tange à dissonância. Essa natureza constrói a maior força do registro, sua aura de terror que edifica uma tensão curiosa. Apesar dessas ideias serem incorporadas geralmente no estilo de produção do beat fino, há vários momentos que dialogam com outras formas do funk brasileiro. “Aí Otario Encosta Na Parede” é a canção mais singular de O Terror Voltou, por adotar os sintetizadores agudos que me remetem um pouco ao beat bruxaria, mas que ainda é extremamente coerente com a atmosfera do EP, com a sua temerosidade e ferocidade fortes.

Em aspecto geral, no entanto, esse alinhamento com diferentes cenas ocorre especialmente no trabalho com as proximidades que tanto o beat fino como o funk de BH carregam. Esse lançamento tem principalmente uma forte centralidade na atmosfera, similar a como DJs do cenário mineiro geralmente trabalham, além do caráter minimalista e batidas esparsas, que é mais forte em faixas específicas como “Eu Não Sou Matemático”, esse que pra mim mais se assemelha realmente ao funk de BH. A maioria dos momentos, no entanto, como em “Supersônica”, são extremamente inseridos no contexto de produção do funk capixaba, porém trabalham com esses aspectos compartilhados por ambos. E mesmo que o registro dialogue com cenas próximas do funk brasileiro, ele é extremamente fiel às particularidades da vertente do Espírito Santo ao ponto de mesmo nas acapellas ser adotado um estilo singular dentro do beat fino, em uma construção que apenas funcionaria da melhor forma dentro desse contexto.

Acredito, no entanto, que as últimas duas faixas não carregam a mesma força do restante e, assim, finaliza o projeto de maneira não tão surpreendente, igual às ideias apresentadas logo de início, porém ainda em um tom satisfatório. O Terror Voltou em seu aspecto geral demonstra criatividade e habilidade de DJ JV de Vila Velha em trabalhar com as possibilidades do beat fino de Espírito Santo, na representação sonora do tom sombrio e no diálogo com cenas paralelas do funk ao redor do país.

Selo: EBDS Produtora
Formato: EP
Gênero: Funk / Beat Fino

Davi Bittencourt

Davi Bittencourt, nascido na capital do Rio de Janeiro em 2006, estudante de direito, contribuo como redator para os sites Aquele Tuim e SoundX. No Aquele Tuim, faço parte das curadorias de Música do Leste e Sudeste Asiático, Pop e R&B.

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