Crítica | Lake Heritage


★★★★☆
4/5

Esqueça a distância que o clarinete tem de quem o ouve como parte de um conjunto cujos destaques no concerto são outros. Em Lake Heritage, estreia solo do clarinetista Zachary Good, somos aproximados do instrumento de forma a compreender suas texturas e seus avanços por camadas e camadas de som, construídas sobretudo por afeto. O disco é dedicado ao avô de Zachary, Francis “Paco” Gracia, que faleceu aos 102 anos, e por isso suas peças são compostas com o calor da emoção, evidente em cada reverberação, repetição ou demais adornos estéticos que o compositor usa para causar impressões definitivas de suas excelentes habilidades, como a nítida inspiração nas fases, características e multiplicidades da água, que pode ser notada nos diferentes ambientes criados a partir de harmonias simples, que quando estáticas remetem a um lago, tranquilo, visto por entre tons acústicos e dormentes. Mas, mais do que isso, há um profundo ligamento entre a música e a intenção por trás da sua criação.

Aqui, Zachary Good tateia uma noção de cuidado que transborda a necessidade ou mesmo o sentido utilitário que a música pode ter. Inicialmente, Lake Heritage corresponde certeiramente a uma apresentação ao vivo dirigida por até quatro clarinetistas, mas a sua composição e gravação foi inteiramente feita por Zachary, de forma separada e com um enfoque no que cada uma das peças poderiam representar quando vistas de um conjunto. Veja por exemplo que as faixas “When the old are young” e “deep roots”, esbanjam movimentos solo deste processo todo. São acertos que conferem ao álbum sua proximidade temática – a ideia de multifônicos que o clarinete pode proporcionar sem grandes dificuldades, pelo menos para ele – e a ideia de homenagem e sobretudo de intimidade. E, felizmente, em momento algum isso tudo implica uma densidade ou um som que não seja despojado o suficiente. Na última faixa, “By the lake”, a estrutura sofre uma espécie de desvinculação do restante do disco, expondo uma leveza que perturba, sem espasmos meditativos ou hipnóticos longos como alguns dos momentos mais marcantes. É um ato de transformação, o epicentro da mensagem de Zachary Good sobre memória, sobre celebrar e movimentar a compreensão que temos dos estados que a música pode ocupar – seu aceno a força da água como representação viva disso – e a maneira como tudo se organiza para uma finalidade que é, acima de tudo, bela.

Selo: Add Dye Editions
Formato: LP
Gênero: Experimental

Matheus José

Graduando em Letras, 24 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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