
★★★★☆
4/5
4/5
Em letras, a sinestesia é estudada como um tipo de figura de linguagem ligada à semântica, ou seja, faz parte do conjunto de características que adentram o âmbito estilístico, incluído também na literatura, pois lida tanto com a expressão quanto com a expressividade. É um recurso que auxilia textos – e discursos – a se distanciarem de concepções de lógica discursiva, especialmente porque a sinestesia é um desvio intencional, proposital e arbitrariamente realizado. No anúncio de lançamento de seu álbum no Instagram, que carrega essa palavra em seu título, DJ VINI DA ZO afirma que o cotidiano é sinestésico, atravessado por diversas formas de sentir, pensar, ouvir e saborear.
O mais interessante é que esse conceito, essa concepção oferecida por ele, além de pressupor que a maneira como ouvimos envolve também nossa compreensão individual dos significados da sinestesia, mostra-se plenamente justificada, apropriada e coerente com o que o álbum representa em essência, tanto em som quanto em tema. Isso evidencia, sobretudo, uma meticulosidade astuta, inteligente e criativamente pura dentro do funk, que há muito sofre com certa repetição desproposital de signos e marcas, fruto de um processo que aprofundo melhor na matéria “Por que 2020 é a década dos álbuns de funk?”.
A essência de Sinestesia está na variedade de sons que DJ VINI DA ZO traduz para o funk. É diferente de qualquer outro álbum com proposta semelhante, pois é um diálogo entre ele e o seu entorno. “Trouxe pra esse trabalho sonoridades do meu dia a dia, texturas, cores, ideias, cheiros, gostos, e meu novo álbum é a tentativa de sintetizar e expressar tudo isso”, diz ele. A primeira coisa a notar é que as diferenças entre a ritmada e o bruxaria são deixadas de lado, já que o DJ explora tanto do funk como um meio de propagação do seu discurso que ambos os estilos se fundem, organicamente, como é o caso de “Procedimento”, com Yuri Redicopa. A faixa é densa, com a acapella em evidência, enquanto a batida permanece em tons calmos, minimalistas e quase ambientais (característica que também se repete em “Sobe no Bode”).
Já a sequência, “Maldade”, com MC W1, reforça a ideia de trazer elementos cotidianos para o som: começa com um cavaquinho acelerado, sobre o qual o MC vai inserindo a letra, até o ritmo se transformar numa espécie de ritmada de barzinho, com timbres graves, tubulares, e cordas que ecoam como se o funk se cruzasse com o pagode, algo próximo das introduções instrumentais de cordofone de nomes como o Grupo Revelação. Nesta mistura, também há espaço para house (“De Noite de Dia”), psytrance (“Boto Com Força”) e EDM com baixo estrondoso sobre um beat bolha entrelaçado com batidas agressivas (“Cala Boca e Me Da”), trazidos aqui de forma a complementar a força expressiva de VINI DA ZO em de fato se fazer representado em cada música, mesmo que isso implique testar estilos sem deixar de lado o seu modo, o seu meio e a sua forma de produzir funk.
Note que em nenhum momento o produtor propõe que esses gêneros sejam transformados em funk ou vice-versa, e isso diz muito sobre como ele entende seu lugar nesse espaço. Ele utiliza tudo o que pode não apenas para expor sinestesias em sua ampla gama de investidas na experimentação, mas também para avançar numa direção criativa mais assertiva do que em seu disco anterior, O Incrivel Mundo da Ritmada. Aqui, o ouvinte é parte da narrativa que o DJ constrói: sente sabores, absorve sentimentos. Mesmo na abertura hedonista, com Bia Soull recitando um monólogo da putaria, já se revela como VINI DA ZO busca transpor também uma sinergia com a escuta. E é justamente isso que faz deste um dos trabalhos mais engenhosos do funk em 2025.
Selo: Authentic Records
Formato: LP
Gênero: Funk / Experimental