Crítica | La Marea


★★★★☆
4/5

Os instantes que ancoram o minimalismo das composições do multi-instrumentista Bryan Senti em seu novo álbum, La Marea, são partes inalienáveis de suas exposições temáticas, encontrando força nas cordas e em texturas eletrônicas que se dilatam continuamente. No disco, ele narra a imigração de seu pai de Cuba para os Estados Unidos entre 1959 e 1960. Para isso, reflete sobre sua própria posição, experiência de vida e crescimento dentro do contexto social americano para latinos. Sua narração ganha contornos ainda mais específicos ao tratar da situação atual sob o governo Trump: “Recent events surrounding immigration in the US, as well as my family’s relocation to Italy, have put the specter of immigration in stark relief for me. It’s more important now than ever to share these stories, particularly from Latin America, that have often been relegated to the fringe of our culture”. O que conecta esses pontos é o mar, a travessia desse espaço que parece ecoar pela imensidão projetada em momentos como a faixa-título de dez minutos, “La Marea”, que evoca uma atmosfera natural, ainda que instintivamente voraz.

Neste ponto, La Marea torna-se um espetáculo intuitivo. Bryan parece criar imagens com as próprias mãos, inserindo-nos nelas conforme o ritmo se acentua ou se dissipa. Há nisso uma concepção de linguagem tocante sob o ponto de vista da experiência proposta, que em momento algum se torna vaga diante do significado do termo. “Saloma (Tierra en Movimiento)” amplia essa compreensão a partir do momento em que Edward Parks começa a cantar os versos da premiada poetisa e acadêmica chilena Antonia Torres Aguero. Sua voz condensa a multiplicidade de arranjos conduzidos por Bryan e pela Czech National Symphony Orchestra, num concerto tão belo, delicado e direto que provoca uma dezena de sentimentos em pouco mais de sete minutos. É um dos momentos que conferem grandeza à narração das peças compostas aqui com ares de homenagem. Sobretudo, é um disco que integra um processo iniciado lá atrás, nos anos 1950 e 1960, e que alcança sua representação na memória e na força cultural que dela se extrai nos dias atuais.

Compre: Bandcamp
Selo: The State 51 Conspiray
Formato: LP
Gênero: Experimental

Matheus José

Graduando em Letras, 24 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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