Crítica | Fragmentos


★★★☆☆
3/5

Não é difícil saber o que LUDMILLA pretende com Fragmentos, seu novo álbum. Ela nitidamente está explorando o R&B nos moldes americanos como quem busca, após o sucesso de sua incursão no pagode, estabelecer novos pares de diversidade em sua discografia. Sua tentativa de se mostrar versátil é válida, e muito do que ela faz aqui funciona, porque seu jeito de cantar – sua voz – nunca esteve tão bem.

Suas letras são outro sucesso: os temas de amor recebem descrições como as que ela acertou em fazer em “Maldivas”, e sua capacidade de tornar sua escrita musicada chama atenção, pois há ganchos que genuinamente agradam aos ouvidos. Momentos como “Coisa de Pele”, ponto alto do disco, evidenciam essa mescla em seu jeito de cantar, compor e nas suas raízes musicais. Ela canta sobre uma melodia guiada por cordas acústicas, com instantes de vocais modificados, e, no final da música, a cuíca e outros elementos de samba surgem como incrementos que mostram que, apesar dos moldes estrangeiros, seu R&B ainda é muito brasileiro.

O disco funciona mais do que se pode admitir. É um caso parecido com o que Teto fez em MAIOR QUE O TEMPO. Há algo de interessante quando esse tipo de música pop é adotado por artistas brasileiros de gêneros que sempre foram ligados apenas à estéticas nacionais bem delimitadas em suas carreiras, como o funk ou o pagode, no caso de LUDMILLA. “CAM GIRL”, com Victoria Monét, é um exemplo prático de onde ela buscou estacionar sua nova abordagem, não só porque acerta em cheio em tudo que de melhor pode trazer nesse R&B misturado ao novo pop nacional, mas porque sabe exatamente o impacto que Monét, uma das maiores compositoras do gênero na atualidade, tem.

São jogadas estratégicas, e que têm certo êxito. Outro grande destaque – peço perdão pelo que vou escrever nas próximas linhas, pois é impensável para muitos de vocês – é a parceria com Luísa Sonza em “Calling Me”. A música é cheia de melismas e batidas que transcendem a matéria do R&B/funk que estrutura o projeto. Os versos de ambas brincam com os maiores signos românticos do álbum. Tudo fica ainda melhor com a alternância dos códigos linguísticos entre português e inglês, presentes em todo o disco, mas usados aqui com tanta fluidez quanto nos melhores exemplos desse tipo de música no pop nacional.

De certa forma, todas as parcerias rendem bons frutos, especialmente “Energy”, com AJULIACOSTA e Duquesa. A existência dessa faixa seria inconcebível dez anos atrás: duas rappers cheias de rimas afiadas, na ponta da língua, cantando em um disco de R&B de LUDMILLA, em sua fase mais romântica e bissexual possível. Esses pontos são o que tornam diferente essa abordagem de R&B americanizado da cantora, algo que agradará ou desagradará muitos fãs de nomes como SZA dadas as intensas familiaridades. Mas talvez esse seja o mal de viver numa época em que aquilo que dá certo passa a ser replicado em todo canto. Cabe, nesse julgamento, atentar-se não à originalidade, mas ao que soa bom ou ruim. E, desculpa, questões à parte – como a homogeneidade das batidas – Fragmentos está longe de ser ruim ou coisa semelhante.

Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: R&B / Pop, Soul

Matheus José

Graduando em Letras, 24 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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