Crítica | LOOP:GLAMOUR


★★★★☆
4/5

Glamour e opulência estabelecem um distanciamento estético para criar exclusão. Esse brilho, no entanto, carrega o cerne da sua ruína: todo excesso é, em alguma medida, prenúncio da sua decadência. Essa dinâmica entre a exuberância e o colapso ecoa no filme Disintegration Loop 1.1, de William Basinski, onde a deterioração programada de uma orquestra gravada em fitas magnéticas colocadas em loop dialoga com a cena da fumaça das torres gêmeas se confundindo com o céu noturno, transformando o colapso numa experiência sensorial contemplativa. Em LOOP:GLAMOUR, loopcinema habita esse mesmo espaço liminar, cujo excesso e seus loops colapsam, se desintegram e criam o novo. Motivos sonoros surgem e desaparecem numa bagunça que exige suspensão pelo estranhamento. No projeto maximalista que une repetição de versos, loop de samples, interpolações e alusões a outras músicas da própria artista, loop faz pop acumulando e chocando referências.

Sabrina Love, vulgo loopcinema, une a neo-psicodelia retrofuturista de Magdalena Bay, as levadas groovadas de Ana Frango Elétrico e, por vezes, os timbres dos funks cariocas da virada do milênio. Em seus melhores momentos, essa mistura é realmente glamourosa, mas por vezes parece confusa. O que ajuda nessa impressão é a mixagem das faixas, que coloca os vocais de loop competindo com todos os incontáveis elementos das faixas. Felizmente, esses momentos não impedem a experiência de ser muito divertida. Na verdade, a forma como ela se coloca como apenas uma parte da própria música parece ser intencional. “Eu não existo mais. Eu sumi no beat”, ela canta em “LOUCAS-NO-BEAT”.

O estranhamento inicial causado pelo glamour de loop acaba sendo muito cativante, como se seus vocais distantes convidassem para dentro de seu mundo. As interpolações de faixas do próprio álbum, referências de outros trabalhos, colaboradores de longa data, tudo ajuda a construir a mitologia de loopcinema: uma artista que, como diz em seu site tumblr-coded, está vivendo num loop no ano de 2044. Seus vocais otimistas e infantilizados, dentro da estética retrofuturista, lembram o otimismo com a Internet nos anos 2000 como essa grande ágora global que conecta e dá voz a todos, antes de corporações limitarem essas possibilidades. Conforme se re-escuta o álbum, como ela sugere que você faça, se percebe que seu otimismo não é irônico nem apenas inocente: é uma ferramenta de sobrevivência. Por trás de toda a poluição sonora glamourosa, loop dá pistas de que, além de presa num loop, está presa no sótão de um cara com quem saiu. Esse detalhe sombrio se apresenta primeiro em “MUSIC: Is My Life”, como um lampejo de consciência durante um sonho.

Loop trabalha bem as referências aos anos 2000, como em “Complexo de Socialite” que seus “ahams” parecem uma interpolação do verso de Fergie em “My Humps”, de Black Eyed Peas, e mesmo a forma como ela canta a palavra “glamourosa” na mesma faixa, lembra a música de mesmo nome de MC Marcinho. Há também uma interpolação em “C’est La Vie” de “Don’t Stop ’Til You Get Enough”, de Michael Jackson, que era usada como abertura do programa Vídeo Show da Rede Globo durante o início do milênio. Já em “O l h o - M á g i c o”, ela termina a faixa com um diálogo retirado de um filme de Godard: “Eu acho que somos sempre responsáveis pelo que fazemos. [...] Tudo é belo! Você se interessa por algo e ele se torna belo. Afinal, as coisas são assim, nada mais. Uma mensagem é uma mensagem. Pratos são pratos. Homens são homens. E a vida, é a vida!”, diz Anna Karina em francês por trás dos sintetizadores em ritardando, em uma das várias referências à sétima arte no disco.

Em “MERCÚRIO”, primeiro single e melhor faixa do álbum, o piano e baixo abrem caminho para o nu-disco frenético de loop. Além das distorções e sintetizadores, ela coloca também sample de cuícas, alguns adlibs de funk e riffs de guitarra. A música é catártica também por ter versos já vistos antes nas faixas “Complexo de Socialite” e “MUSIC: Is My Life”. “Você já percebeu? Você tá num loop!”, ela fala antes de repetir os versos da faixa, levemente alterados cada vez que ressurgem.

Como num cinema, a suspensão da descrença é necessária para acreditar no universo da loop. O projeto tem uma aura boba que, se não for encarado com a mesma descontração, pode parecer cringe e confuso. “Eu não quero mais ser rica do que ser alguém que eu posso ser” ela reflete na última faixa, “GLAMOUR”. O luxo de loop não é excludente, é o luxo de viver sua verdade sem vergonha de ser julgada. Isso sim é absolute cinema.

Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Pop / Synthpop, Neo-Psicodelia

gambito de rafinha

Formade em Comunicação Social. Tem uma instazine chamada "Gambine" em que documenta a vida cultural em Campinas, SP. No Aquele Tuim integra a curadoria de música brasileira.

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