Crítica | LUX


★★★★★
5/5

Em meio à trivialidade da indústria, onde as produções ocorrem de maneira acelerada e relativamente rasa, ROSALÍA retorna ao mundo da música de maneira disruptiva e deliciosamente estrondosa. LUX, lançado em 7 de novembro e distribuído pela Columbia Records, abarca a ternura e o caos presente em toda melodia bem produzida, uma vez que cria, de maneira referencial, um novo imaginário no que diz respeito à forma de apresentar a música ao mundo. Marcado pelo uso de instrumentos orquestrais e sintéticos, o disco aprofunda nas feridas viscerais da artista enquanto ela entoa sobre as nuances do desejo e da redenção.

Ao longo de 15 faixas, a espanhola revoluciona – novamente – a indústria fonográfica através de sua arte que é quase divina. Um dos aspectos inegáveis do álbum, é a habilidade da artista de se permitir utilizar todo seu potencial vocal, dessa vez de maneira menos sutil e mais grifada, sendo possível escutar cada nota de maneira mais nítida. Diferente de produções urbanas como em MOTOMAMI (2022), o novo trabalho torna explícito o que antes já era – ou deveria ser – conhecimento geral: enquanto uma vocalista extraordinária.

Após seu término com o cantor Rauw Alejandro, a cantora embarca em uma jornada intrínseca e desenfreada. Em uma posição existencial, a vulnerabilidade do disco se apresenta através do processo de cura, que transforma seus quatro atos em religiosidade. Utilizando um total impressionante de 13 idiomas, a artista consegue tornar universal a capacidade de ecoar sentimentos tão particulares e, muitas vezes, dolorosos de maneira diversa. A carga emocional manifestada na lírica potente, combinada à aspectos de uma ópera, transforma a experiência da escuta em algo extracorpóreo e sinestésico.

Enquanto outros musicistas apostam em produções rápidas que recaem no esquecimento, justamente por não permitirem com que seu trabalho mature, seja pela demanda da indústria ou ausência criativa, ROSALÍA possibilita sua atemporalidade ao selar um pacto com a artisticidade. Na faixa “Relíquia”, uma das mais emblemáticas e com uma produção fenomenal, a forma solitária em que os versos são proferidos é quase uma oração: é possível tatear as palavras que se ajoelham aos ouvidos. Acompanhada do uso de corais, dentre eles o coro Escolania de Montserrat, além do violino de Natalie Klouda, a canção reformula os meios de se pensar a engenharia da música, construindo um novo modo de performar sons dentro de uma lógica contemporânea e surpreendendo quem tenha a honra de escutá-la.

Com o apoio da Orquestra Sinfônica de Londres, e utilizando o experimentalismo de gênero, LUX encontra um terreno fértil para se propagar enquanto um LP inovador, uma vez que sua musicalidade, de fato, é algo inédito. Através de um novo paradigma técnico e conceitual no pop contemporâneo, a arquitetura vocal somada à dissolução de fronteiras sonoras cria algo único, onde não é possível separar o tradicional do futurista. Além disso, ao incorporar a perspectiva de diferentes fontes – dentre eles Guy-Manuel de Homem-Christo e Charlotte Gainsbourg – o disco reformula o conceito de pièce de résistance, uma vez que sua preciosidade se encontra em sua totalidade.

Mas meu coração nunca foi meu / Eu sempre o entrego


Como um contato inicial do que vem a seguir, o single “Berghain” representa de forma singela e fiel a profundidade emocional do álbum. Com o fervor da língua alemã e emoldurando a presença de Björk e Yves Tumor, a faixa atesta de antemão o imaginário que se destrincha ao escutar o disco integralmente: os sentimentos estão à flor da pele. Além dessa, as canções “La Yugular”, com trechos em espanhol, árabe e inglês, e “Mio Cristo Piange Diamanti”, cantada em italiano, demonstra as emoções complexas e plurais de ROSALÍA, onde vários sentimentos ocorrem ao mesmo tempo.

Ainda que a dor esteja presente em toda extensão do álbum, LUX é um deleite grandioso ao ser ouvido. Ao valorizar aspectos como feminilidade, morte e humanidade, ROSALÍA mantém vivos seu legado e nos comprova a crença popular de que é uma das maiores artistas da sua geração. Transcendendo o imaginário da música pop e alternativa, a cantora cria uma nova sonoridade: a sua própria. Como expoente da visão angelical, o disco pode ser entendido como uma bênção a quem o escuta e, sendo um trabalho tão monumental, reestrutura as concepções ao se enquadrar em uma nova categoria entre o sagrado e o sacrilégio.

Selo: Columbia Records
Formato: LP
Gênero: Pop / Art Pop

Victor Hugo Aguila

Graduando em Jornalismo, 24 anos. Fascinado em cinema, música e artes visuais. No Aquele Tuim, integra a curadoria de música brasileira.

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