Entre nós: LUX - ROSALÍA


Leia o que os nossos redatores Lu Melo, Matheus José, Tiago Araujo, Lucas Granado, gambito de rafinha e Davi Bittencourt acharam do novo disco de ROSALÍA.

De vez em quando, nossos redatores se reúnem em torno de um disco de destaque – seja pelo lado positivo ou negativo – para compartilhar de forma ampla a visão coletiva sobre a obra em questão. É quase um papo entre nós, e o escolhido de hoje é LUX, de ROSALÍA.



Lu Melo: Em Lux, a artista não tenta ser “nem um e nem outro”, mas mescla elementos da música erudita (violinos, orquestras e um toque de dramatização) com o que há de moderno no cenário mainstream. A cantora se coloca no centro da vontade de se entender entre o carnal e o divino, na castidade e no pecado; e como ambos podem ser apenas um só. Ela também não poupa em falar sobre as desgraças que foram escondidas a sete chaves durante alguns anos, como, por exemplo, seu término com o cantor Rauw em “La Perla” (Estrela da contradição / Uma miragem / Medalha de ouro olímpica em ser o maior canalha). Sem dúvidas, é o ápice – que ainda é tão pouco para sua grandiosidade – da sua carreira.

Matheus José: Um disco que tem muito a ver com a concepção de arte que ROSALÍA adquiriu na academia e que por isso, em alguns instantes, parece apelar para arranjos que buscam dar a ideia de que o álbum não se trata apenas de música pop com orquestra, mesmo sendo exatamente isso. Se perde em alguns momentos, essencialmente quando busca unir a orquestra com temas que são tão ardentes por si só que não precisam de todo o adorno que lhes é imposto pela necessidade de seguir um conceito ou estrutura rígida, o que acaba gerando uma impressão demasiadamente dramática. Ela não precisa de toda a expansividade megalomaníaca que cria para causar alguma emoção. Há músicas que poderiam fazer isso de forma menos calculada, é o caso das faixas “Sauvignon Blanc”, “La Rumba Del Perdón” e “Memória”. 

Tiago Araujo: Eu também acho que não tenta ser “nem um e nem outro”. Porque não tenta ser bom de verdade sendo um álbum de música clássica — fica refém apenas aos pastiches do que uma pessoa que pouco se importa com a música romântica do XIX acharia que ela é. Além disso, passa longe de ter interesse real em ser um disco contemporâneo (pelo menos da forma que Agamben diria que é a definição de contemporâneo, via Nietzsche). Em termos de forma, é um álbum de música pop normal, recheado de baladas de estruturas previsíveis — que fingem não ser — e com zero interesse pela parte eletrônica que às vezes ameaça aparecer nas músicas. Que ela fala de Deus e canta bem pra cacete, isso já estava evidente em qualquer outro lançamento da artista. A diferença é que, em MOTOMAMi, dá gosto ver esse canto lírico sendo (des)harmonizado com batidas simples; que não tentam ser mais do que são, que têm um verdadeiro amor pelo que se constroi na música popular. Enfim, nem bom e nem ruim, é péssimo.

Lucas Granado: É fascinante ver o engajamento das pessoas a cada novo lançamento de ROSALÍA, que nesse caso, ao executar um álbum pop com orquestra conseguiu irritar tanto os fãs de música pop comercial quanto os fãs de música clássica e erudita. Sabe-se que trabalhos pretensiosos como esse, que envolvem não só uma temática mais complexa e pouco abordada por artistas maisntream são muito mal vistos, tanto por ir na contramão da música pop alternativa, atual embebedada no electropop do BRAT, quanto por executar um trabalho megalomaníaco com 13 línguas e diversas referências musicais e culturais. Mas uma coisa que é mais forte do que qualquer conceito ou narrativa que atravessa um álbum musical é: como ele soa no fim, e pra mim é impossível negar que esse álbum soa bem PRA CARALHO. Não é só pelos arranjos de orquestra combinados com as raízes flamencas e (sim!) latinas de ROSALÍA, nem pela brilhante performance vocal desempenhada em cada música servindo toda emoção e dramaticidade exigida, mas é, sobretudo, porque ela sabe fazer as coisas soarem incrivelmente bem. Ela sabe o peso da língua para a música, e isso é explorado de forma incrível e muito bem encaixada nas faixas do álbum. Ela também conhece muito de estética artística e literária, trazendo o conceito de sublime do classicismo em sua potência máxima quando escreve temas e melodias grandiosas que chegam a assustar numa primeira ouvida, como se estivéssemos pela primeira vez de frente ao oceano ou impactados pela imensidão do céu. As letras, todas escritas unicamente por ela, com exceção de “Memoria”, trazem temáticas pouco discutidas hoje na música pop, a partir de uma delicadeza sem igual e, novamente, preocupadas sobretudo em como irão soar, envolvendo todo o conteúdo verbal em pura musicalidade. Discordo da Lu e do Tiago quando dizem que ela não tentou fazer nada, até porque a mesma disse que sempre quis e sempre tenta fazer música pop, e LUX é talvez o maior ato contra cultura já visto em anos no pop mainstream. Portanto, ele pode ser um álbum desafiador para diferentes extremos, mas quando se relaxa e senta para apreciar o trabalho como um todo, é impossível não se emocionar ou se sentir tocado pela precisão artística de ROSALÍA.

gambito de rafinha: ROSALÍA tem colocado seu novo álbum em oposição à inteligência artificial generativa, enfatizando em entrevistas recentes que é um álbum "feito por humanos". Essa afirmação dela pode significar qualquer coisa, porque não diz se seu problema com LLMs (sigla em inglês para grandes modelos de linguagem) está no seu impacto ambiental e social, no extrativismo de dados, ou se é só porque, como ela falou, as sugestões de letras que eles deram não foram satisfatórios para ela. É sintomático que a diva pop global que mais conversa com seu tempo tenha escolhido como guinada estética que busca na música clássica da sua formação uma chancela para seu pop como uma arte séria, densa. Não é tão diferente do meme que diz que alta cultura para a direita é Guns N’ Roses tocado no violino. E quem se gaba de um gosto bem curado, elevado, provavelmente vai gostar de LUX. Ele é exatamente o que ROSALÍA diz ser: pop. Mas com uma linda embalagem para mostrar que é um produto diferenciado: tem "música clássica" e "espiritualidade". Não é a primeira vez que uma artista pop se afasta da sonoridade eletrônica para agradar as classes A/B e buscar validação artística. Carranca saiu faz nem dois meses. Esteticamente é uma virada radical para a cena pop atual, admito, mas é muito reacionário. And it gets worse... Vaticano just defended you!

Davi Bittencourt: Penso que ROSALÍA sempre propôs em seus trabalhos uma visão singular não só para o espaço da música pop mainstream, como em sua própria discografia, com cada lançamento convidando o ouvinte a uma experiência inovadora. LUX é talvez a abordagem mais ousada que ROSALÍA se propôs a fazer, um disco que pretende trabalhar com os limites entre a música popular e a música clássica. É um disco que vai além da visão mais convencional do classical crossover, que é presente aqui mas não unicamente em sua visão mais tradicional e acessível da mistura com a música clássica, mas realiza misturas mais complexas e inusitadas, mesmo que se mantenha ainda fortemente pop. Os momentos que mais gosto é quando o disco intersecciona com estilos regionais, principalmente espanhóis

Aquele Tuim

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