
3/5
Trilhas sonoras sempre foram elementos cruciais em qualquer produto audiovisual, sejam jogos, filmes ou séries. Longe de serem meros acessórios, elas definem a atmosfera, ditam o ritmo emocional e, muitas vezes, gravam-se na memória de forma mais profunda que as próprias imagens. Em produções sérias, jamais são deixadas de lado.
Ao longo do tempo, vimos esses álbuns transcenderem sua função original de "apoio" para se tornarem protagonistas. Claro que há casos e casos. Algumas trilhas são meticulosamente construídas para irem além, funcionando como uma extensão de marketing calculada para lucrar com a produção, como vimos recentemente com o fenômeno cultural de Barbie, já em outros cenários, o sucesso é quase acidental, que acaba por cair no gosto do público de forma avassaladora, o exemplo clássico é O Guarda-Costas; embora contasse com Whitney Houston, é improvável que alguém previsse que aquele álbum se tornaria um dos discos mais vendidos de toda a história.
Mas, onde o EP de estreia de ponto de lince se encaixa nisso? O EP se constrói sob o conceito de ser a trilha sonora para um jogo de terror... que não existe. As influências centrais são claras: Resident Evil e Silent Hill, dois pilares do gênero survival horror. Essa ambição, no entanto, é exatamente o que expõe a maior dificuldade do trabalho, e talvez a sua principal "mancha", a maior dúvida que ele acaba criando é: como criar o impacto de uma trilha sem o suporte visual para o qual ela foi (teoricamente) desenhada?
Essa conceituação grita na faixa “a cabana”, a sonoridade remete muito ao que a dupla Trigg & Gusset fez para a trilha de Blue Prince. A diferença fundamental é que, enquanto a dupla mescla sons orgânicos com eletrônicos para criar sua atmosfera, ponto de lince decide se manter quase que predominantemente no campo "sintético", criando uma paisagem sonora mais fria e industrial, típica do survival horror clássico.
Produzir faixas com essa premissa tem limitações evidentes. Até que ponto a experiência puramente auditiva de uma "pseudo trilha sonora" é suficiente para provocar a reação desejada? No audiovisual, o som e a imagem trabalham em simbiose para criar o impacto. Quando um falta, o outro precisa compensar imensamente.
É nesse ponto que “survival horror #2” e “survival horror #5” acabam se esbaldando, elas carregam duas características que as tornam difíceis como material puramente auditivo: suas texturas são excessivamente condensadas, soando homogêneas, e, como consequência, parecem retilíneas demais. Falta-lhes dinâmica, elas soam como loops de ambiente esperando por um jump scare ou uma mudança de cenário que nunca chega. Tecnicamente, elas falham em se sustentar sozinhas, parecendo mais rascunhos de tensão do que a tensão em si.
Felizmente, o EP mostra seu verdadeiro brilho em outros momentos. "cel shading” e “hélices” são os grandes destaques, ambas fogem da armadilha da estagnação ao introduzirem texturas variáveis que enriquecem o corpo da música. A música ambiente, por natureza, muitas vezes soa "pé no chão" ou parada demais. O mérito doponto de lince, nessas faixas, é usar essa calmaria a seu favor, adicionando camadas e micro-eventos sonoros ao longo da faixa. “hélices” é a que melhor executa a proposta de terror, construindo uma atmosfera propositalmente medonha e fantasmagórica que, de fato, transporta o ouvinte.
No fim, o EP de ponto de lince é bem-sucedido em sua complexa missão: ele consegue criar imagens na mente de quem ouve, seja pela riqueza das texturas ou por uma conexão mais pessoal que o ouvinte estabelece com aquele universo. Embora essas "imagens" tenham seus pontos cegos — as faixas que dependem demais de um visual fantasma —, o saldo geral é o de um ótimo EP de estreia.
Selo: Independente
Formato: EP
Gênero: Música Ambiente