O sonho delirante de Red Velvet: como definir seus conceitos?


Neste ensaio, iremos explorar a força motriz mais intrigante do fazer artístico do quinteto.

Quando se trata de Red Velvet, diversas características saltam aos nossos olhos. As menções imediatas partem das habilidades vocais das integrantes, dos visuais singulares, do catálogo musical primoroso e conceitos elaborados. Também há outros aspectos mercadológicos, que tendem a focar na construção de imagem de idol, e fazeres artísticos mais individualizados, mas não vou dar enfoque neles. O que importa é que o grupo conseguiu formar sua própria identidade, sólida e inconfundível.

Os conceitos, no entanto, são preponderantes em toda a cadeia criativa. Se estabelecendo como carro-chefe ao longo do tempo, Red Velvet recebeu os títulos de “concept queens” e “b-side queens” pela mídia coreana, que garantiu adesão pelo público e por veículos midiáticos. Associando uma variedade inesgotável de elementos no campo estético, o entendimento do conceito geral do grupo se fragmentou em dois: o red e o velvet. No entanto, essa concepção sempre causou discussões e, mesmo com concordâncias aparentes, carece de consenso completo.

Nesse ensaio, eu pretendo articular as minhas visões sobre esse tópico. Analisando o intangível (ideias e narrativas) e o palpável (músicas e videoclipes), a proposta aqui é mergulhar de fato nas particularidades que moldam essas produções. Será que existe uma conclusão tão absoluta assim? É o que vamos descobrir.



Afinal, o que é “red” e o que é “velvet”?

Uma descrição planificada permeia o imaginário sobre o tópico. O conceito red representaria o lado mais alegre, com músicas animadas e extravagantes que constroem suas bases nas sonoridades pop, enquanto o velvet dá enfoque a uma musicalidade mais madura e sofisticada, contemplando canções midtempo voltadas ao R&B e baladas. Mas há um problema: é uma definição incompleta e quase obsoleta.

Ao tomá-la como verdade, o ouvinte tende a se enrijecer e, por consequência, se confundir com algumas peças do grupo. De que forma ela se encaixaria plenamente em “Zimzalabim” e “Queendom”? Ou até mesmo em músicas muito populares, como “Russian Roulette”? Pôr os videoclipes e álbuns em perspectiva, com essa dicotomia estrita, é ainda pior, já que o leque de possibilidades se expande absurdamente.


O conceito de Red Velvet é, na verdade, uma aquarela disforme

A aquarela é uma técnica de pintura, em que os pigmentos se encontram dissolvidos na água. Com suportes variados, ela exige sutileza e cuidado na sua execução, pois estamos lidando com materiais de difícil manuseio. É parte fundamental dosar a intensidade e a opacidade das cores, para entender de vez os arranjos cromáticos que são possíveis de se gerar. Detalhe: eu vejo o conceito de Red Velvet nessa ótica.

Observo que aquela definição anteriormente citada é, na verdade, o arranjo primário de características desses dois conceitos. Esses elementos se estabeleceram desde o princípio, onde o grupo estava tentando se encontrar, e permanecem firmes. Mas não são estáticos nem definitivos: funcionam como as cores de uma aquarela disforme, em que o intuito é desenvolver tons e degradês, que nunca serão exatamente iguais ou literais.

Isso é perceptível na cronologia da sua discografia. Mais vertentes sonoras, linguagens audiovisuais, movimentos artísticos e tendências de design foram incorporadas ao universo do grupo, tornando a experiência mais complexa e sinestésica.



Um grupo verdadeiramente experimental

Mesmo que pareça uma afirmação incompatível, existe música experimental dentro do k-pop — que é caracterizada pela flexão de vertentes sonoras que escapam do que historicamente construiu o gênero. É uma proposta que desafia as estruturas, pois se trata de uma provocação, mesmo que tímida, a um dos vetores contemporâneos mais latentes da indústria cultural.

Tendo essa perspectiva estabelecida, é preciso admitir: Red Velvet é um grupo verdadeiramente experimental. Dentre os nomes do mainstream, é um dos únicos em que a experimentação não é uma atividade esporádica, e sim o seu fazer artístico basilar.

Basta observar suas produções com atenção. Eu, inclusive, elejo uma combinação de quatro adjetivos que as caracterizam: euforia, estranheza, sofisticação e versatilidade. É um exercício esquisito, que desperta a fuga de constantes musicais pré-estabelecidas e joga o ouvinte à deriva do inesperado.



Cartografia do caos: o retrato conceitual de Red Velvet

Diante de definições mais abstratas estabelecidas, o foco agora se volta ao material concreto do grupo: suas músicas, álbuns e videoclipes. Com muita clareza, eles comunicam a complexidade de agregação dos seus elementos estéticos e personagens indispensáveis. Esse é o espaço de explorar cada um deles.

Os incontáveis arquétipos. Red Velvet gosta de incorporar personagens e arquétipos em seus videoclipes. Só para citar alguns exemplos: as bonecas de fábrica de “Dumb Dumb”, o culto de mulheres assassinas de “Peek-a-Boo”, as estudantes de colegial homicidas de “Russian Roulette” e as bailarinas primaveris de “Feel My Rhythm”.

A magia está no quirky. As texturas de estranheza de Red Velvet impregnam todas as suas articulações criativas. O segredo é o estilo orgulhosamente peculiar, que concatena os elementos ao ponto de extrapolar tudo ao absurdo. Irene, por exemplo, bebe as outras integrantes de canudinho no clipe de “Power Up”, e isso faz todo o sentido!

A melancolia é fundamental. Você provavelmente percebeu a penumbra que paira nos ares do clipe de “Psycho”. Ela não é palpável, mas perfura as entranhas enquanto cantamos “Hey, now we’ll be okay” em coro. Quando não há extravagância açucarada, nos resta a melancolia onipresente.

Abordagens não limitantes. O R&B não está restrito ao velvet, assim como uma música que exala estranheza não vai apontar ao red por si só. Não existem amarras capazes de prender propostas sonoras e visuais em caixinhas.

Zimzalabim é a verdadeira síntese: intersecção conceitual e maturidade artística. Com tantas tonalidades, era natural que o “terceiro conceito” passasse a existir. Quando red e velvet disputam entre si pelo mesmo espaço, o resultado não poderia ser mais contrastante. É aqui onde várias das músicas mais experimentais nascem, além de ser o atual guia norteador do grupo. A intersecção conceitual é, por si só, uma maturação artística do desconforto, mas extremamente definidora e refrescante.


Redefinindo conceitos

Ao percorrer por tantas reflexões e pelo catálogo do grupo incansavelmente, é finalmente seguro dar as minhas respostas e definições próprias mais apuradas da pergunta estabelecida no começo desse ensaio.

Red, a extravagância propulsante. Caracterizado por músicas e álbuns que exaltam sentimentos positivos e o culto incessante à estranheza, esse conceito permeia pelas atmosferas menos palatáveis ao ouvinte ocidental, mas é o mais versátil e que melhor se prospecta. O verão vibrante, as cores saturadas, o desconforto da estética quirky e a falta de timidez são seus pontos conceituais mais fortes. Exemplos: “Red Flavor”, “Dumb Dumb”, “Birthday”, “You Better Know”, “Huff n Puff”, “Talk to Me”, “LP”, “Mosquito” & “Time Slip”.

Velvet, a sobriedade ilusória. Permeado em tons dúbios, a grande chave para acessar esse conceito são os sentimentos pós-euforia cintilantes. Emergente nos últimos anos, ele se mostra perfeito tanto para extrair sentimentos melancólicos quanto dançar freneticamente no fim da festa. O horror, as baladas suaves, os arranjos sofisticados e a ambiência fantasmagórica mostram sua força motriz por aqui. Exemplos: “Automatic”, “Psycho”, “Naughty”, “Look”, “Attaboy”, “In My Dreams”, “Eyes Locked, Hands Locked”, “Body Talk” & “In & Out”.

Intersecção conceitual, a via do contraste. Os dois universos, que nunca estiveram realmente separados, se colidem e produzem um fruto agridoce. Permeado pelas atribuições dos dois conceitos, não há poda de ramificações estéticas e tudo pode acontecer. Ironicamente (ou não), é o Red Velvet em seu estado mais puro. Exemplos: “Zimzalabim”, “RBB (Really Bad Boy)”, “Feel My Rhythm”, “Peek-a-Boo”, “Love Is The Way”, “On a Ride”, “My Second Date”, “Somethin Kinda Crazy” & “My Dear”.



Conclusões nada absolutas

Quando o contato com Red Velvet é apaixonado e contínuo, começar a questionar as razões que tornam o grupo tão especial é um exercício inevitável. Os conceitos, como entidade primordial, fomentam essa vontade com mais afinco, nos propondo a pensar qual a sua real natureza.

Há mais cor nesse universo do que definições engessadas são capazes de expressar. O melhor a se fazer é, com toda certeza, se conectar com a arte feita pelo quinteto de coração aberto, não temendo quando algo diferente vier. Pois, quando se trata desse grupo, só há uma certeza: o inesperado sempre vem.



Esse ensaio faz parte do <Red Velvet Week>, um conjunto de três publicações desenvolvidas para a Aquele Tuim, que tem o intuito de comemorar os nove anos de aniversário do Red Velvet.
Felipe

Graduando em Sistemas e Mídias Digitais, com ênfase em Audiovisual, e Estagiário de Imagem na Pinacoteca do Ceará. É editor do Aquele Tuim, contribuindo com a curadoria de Música do Continente Africano.

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