Crítica | MIMOSA



★★★★☆
4/5

Você pode se perguntar, logo nos momentos iniciais de MIMOSA, sobre o significado de misturar tambores de terreiro com batidas de funk em uma faixa que parece usar o presente para chegar ao passado sem sair do lugar. Talvez a resposta mais clara para isso seja acompanhar o restante do álbum para então entender do que tratam as introdutórias “Chão” e “Roda”.

MIMOSA é um projeto colaborativo entre os artistas Luiz Felipe Lucas (cabezadenego), com os beatmakers e produtores do Rio de Janeiro, Mbé e Leyblack. Lançado pelo selo QTV, um dos principais expoentes da música experimental em solo brasileiro, o registro é descrito como um “disco-manifesto sobre a potência dos ritmos afro-brasileiros”. E não é à toa. Aqui você encontra uma extensa diversidade de ritmos — mesmo que pareçam distantes entre si — interligados pela ideia de fazer um passeio pela música com raízes negras no cenário nacional.

É interessante notar que, para isso, são utilizados alguns maneirismos, como a própria repetição do funk ou mesmo algumas distorções e fragmentos vocais que dão a ideia do álbum ser uma coletânea. Mas engana-se quem pensa que isso é ruim. Quando nos deparamos com um material como esse, a propriedade de quem o produz precisa ser levada em consideração. E nada mais justo do que ver esta síntese musical como um esforço genuíno para representar a evolução da música como produto artístico.

Por isso passamos do samba em “Chora” ao funk carioca em “Aquecimento”. Ambos os gêneros estilizados aqui correspondem ao corredor sonoro cuja cultura das comunidades percorreu ao longo dos anos ante a desvalorização e o apagamento histórico promovidos pelas elites. É um som marginalizado que não tem medo de expor a sua contradição, como na faixa “Taca”, em que o conteúdo lírico altamente sexual — e incrivelmente cotidiano — tem como compromisso principal, falando claramente, a luxúria. Mas sem deixar de ser totalmente responsável.

MIMOSA utiliza, a todo momento, a já citada batida do funk — de diferentes maneiras e com diferentes intenções —, e não há outra forma de concretizar o manifesto pelos ritmos afro-brasileiros senão essa. O Funk é a vertente mais experimental da nossa música atualmente, mais do que isso, é o som que se recusa a ficar confinado entre quatro paredes, ainda que a cada momento apareça um artista tentando domesticá-lo ou até mesmo torná-lo mais “limpo” para as massas. Ao compreender esses sinais, Mbé e Leyblack acertaram em cheio nas referências que o funk construiu ao longo dos últimos anos, exemplo a familiaridade de recortes virais, como em “Aquecimento”. Outro acerto está na prensagem do gênero brasileiro com o drum’n’ bass em “Dfb”.

MIMOSA tenta algo novo e consegue: sua colcha de retalhos musical centrada em ritmos afro-brasileiros é um recurso infinito que permite explorações complexas que nenhum outro material além deste poderia fazê-lo. Mas o que cabezadenego, Mbé e Leyblack fazem aqui é, por si só, suficiente para compreender não só a necessidade de valorização, mas a importância do conhecimento (no sentido de bagagem) postado na cultura que hoje é uma das menos favorecidas. É, portanto, uma criação que corresponde verdadeiramente ao desejo de reconhecimento artístico nacional.

Selo: QTV
Formato: LP
Gênero: Funk / Experimental, Eletrônica
Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. No Aquele Tuim, faço parte das curadorias de Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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