Crítica | Evangelic Girl Is A Gun


★★★☆☆
3/5

Yeule construiu uma personalidade artística forte e, ao mesmo tempo, versátil. Suas obras são marcadas por uma atmosfera cibernética e futurista, muito característica da sua abordagem eletrônica, sempre incorporando, por exemplo, sons ambientes e glitches. Apesar desses estilos guiarem grande parte de sua essência criativa, cada novo lançamento seu revela uma notável mudança de direção.

Se Glitch Princess era um disco tematicamente mais conceitual, em que Yeule assumia uma persona ciborgue para explorar experiências humanas sob a ótica de uma entidade entre o humano e o cibernético, com uma sonoridade glitch pop envolta por uma atmosfera pós-apocalíptica; Softscars adotava um tom muito mais leve. Flertava com o dream pop, mas ainda carregava traços eletrônicos que remetiam ao seu alter ego. Aqui, porém, esse alter ego parecia buscar mergulhar mais fundo nas questões humanas, o que se refletia em uma sonoridade mais orgânica, terrestre.

Evangelic Girl Is A Gun representa uma mudança completa em relação aos seus discos antecessores, especialmente em sua construção sonora. O disco soa menos intenso, mas apresenta escolhas mais amplas, como se Yeule decidisse deixar de lado a busca por construir personas e sons disruptivos, optando por ideias mais acessíveis ao público – o que, também, reduz seu apelo. Em seus melhores momentos, o álbum se destaca pelo rock alternativo ruidoso, pontuado por influências eletrônicas, sobretudo o glitch, que aqui sustenta uma atmosfera sombria e densa, em sintonia com sua abordagem centrada em sentimentos autodestrutivos.

A sequência que vai da primeira faixa, “Tequila Coma”, até “1967”, representa bem esses aspectos. A introdução propõe um encontro entre o trip hop e o rock alternativo em um ambiente sonoro que acentua o tom obscuro predominante em ambos os gêneros. “The Girl Who Sold Her Face” se destaca pelas guitarras sujas e distorcidas, reforçando a natureza inquietante da música. Já “1967” impressiona pelas texturas ruidosas e pelas baterias eletrônicas, um dos exemplos mais consistentes do encontro entre os instrumentos orgânicos do rock e a eletrônica em uma fusão divertida dentro dessa leva de transformações sonoras e estéticas encontradas nos álbuns de Yeule até então. A melhor faixa de todo o registro, no entanto, é a título “Evangelic Girl Is A Gun”, um pop mecânico, noturno e agitado, com ritmo incessante e desconcertante, mesclando glitch pop e industrial.

Apesar disso, o álbum toma uma direção mais desinteressante em seu núcleo, aproximando-se de um rock e pop alternativo simpático, mas excessivamente comum. São faixas que até causam uma boa impressão inicial, mas acabam sendo esquecíveis por não apresentarem elementos que realmente se destaquem dentro do padrão desses gêneros. Evangelic Girl Is A Gun funciona como uma progressão coerente da narrativa artística de Yeule, com ótimos momentos de destaque, mas que, no conjunto, representa uma abordagem mais contida, menos determinada a explorar suas singularidades musicais de forma plena.

Selo: Ninja Tune
Formato: LP
Gênero: Pop / Rock

Davi Bittencourt

Davi Bittencourt, nascido na capital do Rio de Janeiro em 2006, estudante de direito, contribuo como redator para os sites Aquele Tuim e SoundX. No Aquele Tuim, faço parte das curadorias de Música do Leste e Sudeste Asiático, Pop e R&B.

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