Crítica | Caudal


★★★★☆
4/5

Caudal é a segunda compilação do selo Acta Recordings, que surgiu como AVNT em 2019, idealizada por Yan Higa. Em 2022 um rebranding constrói Acta, e desde então o projeto conseguiu espaço no cenário internacional com lançamentos de seus principais nomes, como os projetos Mofo de DIGESTIVO, Coágulo de Yvu e mais recentemente, o EP Escama, de Iguana.

A gravadora possui estética e missão declaradas: “Terra-reforming music”. Eles entendem a fusão entre o natural/orgânico e o industrial/digital de uma perspectiva intrinsecamente brasileira, e sua visão sobre a arte que constroem é subversiva, inovadora e sem receio de experimentar com inúmeras possibilidades dos gêneros que utiliza.

Enquanto em 2022 seu primeiro compilado Calmaria contava com nomes de destaque nacional (Agazero, Carlos do Complexo e Mia Badgyal, entre outros) indo “do pop à música obscura”, Caudal é um ponto de virada para Acta, abrindo espaço para artistas internacionais que possuem intenções similares.

Zuli, que abre o álbum, vem há anos reconfigurando as noções globais da “música egípcia”, e em “Granizo” declara de cara um universo denso para o projeto, submerso e repleto de ruídos desconhecidos. É como ouvir o desenlaçar de nós digitais, carregados por um vocal que nunca se constrói completamente, nem se dissipa.

A partir disso, o compilado consegue seguir uma unidade sensorial e sonora que é raro ao formato. Cada faixa te mostra um modo diferente de tratar seu gênero musical e, mesmo construída com tantas perspectivas e lugares diferentes, há aqui de modo claro um discurso coerente, seja acelerado, com a música imediata e agressiva de Stonekisser, ou o grime metálico de Ship Sket, ou seja nos momentos em que, de forma muito inteligente, o álbum aponta para o contato com o idílico, como no field recording utilizado em “Cruera” ou mesmo na flauta que hipnotiza dentro de “FortresStorm”.

Me interessa particularmente como os artistas brasileiros no projeto reconhecem possibilidades dentro do funk. Que o gênero é essencialmente parte da música experimental e eletrônica, a essa altura já está dado, então é ótimo encontrar “bota a buceta na reta” como instrumento (modulado, reformado e remixado) da faixa de Yvu, ou ouvir um passinho se transformar em música ambiente com Sykors. E mesmo quando vamos para uma faixa mais “puramente” de funk, como em “ROMANO PENSATIVO”, JLZ trabalha os vocais egípcios para fazer com que a atmosfera seja a parte dominante da faixa.

Acta Recordings antevê um futuro onde a vida natural consegue se integrar à tecnologia, e trabalha para construir a trilha sonora desse movimento, por vezes agressivo, por vezes humano, mas numa noção única de avanço. Só podemos aguardar os próximos capítulos.

Compre: Bandcamp
Selo: Acta Recordings
Formato: Compilado
Gênero: Experimental / Eletrônica, Funk
Leonardo Zago

Formado em Comunicação Social com ênfase em Midialogia, 27 anos. Amante de cinema e música. No Aquele Tuim, integro a curadoria de música Eletrônica e Experimental.

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