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A beleza de Deságua, álbum da harpista brasileira Marina Mello, sequer pode ser mensurada. É um disco cuja delicadeza flui como as ideias temáticas que o atravessam, em que cada faixa se comporta como um rio correndo em busca do oceano, a mãe maior de todas as águas. Nessa mensagem de natureza e organicidade, surgem manipulações de pedais e acordes instrumentais que preenchem os espaços em que a harpa não se efetiva por completo, sustentando o tecido sonoro que se desdobra em partes quase infinitas. Nesse mesmo fluxo, o som nasce da delicadeza, como se Marina observasse e descrevesse o caminho da água até desaguar no mar. É um percurso difícil, árduo, e por isso, às vezes, somos surpreendidos por intervenções que soam como ruídos e inquietações – ora devastadoras, ora acalentadoras – exploradas como tentativas de sentir e ultrapassar os limites musicais de seu instrumento principal.
Há uma doçura firme em seu toque, uma investida sensível pelos acordes que se afastam do plano musical comum. Suas habilidades são colocadas em cada nota, que perduram num domínio absoluto do som que oriunda daquilo exposto, quase sussurrando. Essa atenção é sobretudo parte do diálogo dela. “Olha pro céu. O que que você vê quando olha pro céu?”, questiona em “ponto de vista”, instante de palavra falada tomado por um eco que percorre da voz às cordas, que respiram em pequenas pausas, como se pedissem sobriedade diante do som que nos envolve, ali, por completo. É como se Marina partisse da pergunta “Você já olhou pro céu hoje?” para responder a si mesma, e a nós. Olhar pro céu? Para quê? Pode ser oportuno fazer isso agora, talvez para recordar que, assim como a água, também somos rios em busca de um mar. Ou, como já cantou Djavan, “você deságua em mim, e eu, oceano”.
Compre: Bandcamp
Selo: Buh Records
Formato: LP
Gênero: Experimental